São Paulo, segunda-feira, 17 de junho de 1996
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Minha geração não fez nada pela guitarra

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
ESPECIAL PARA A FOLHA

Eu não existo, minha geração nunca fez nada digno de menção, a vida já acabou e só eu não percebi.
É a única conclusão que posso extrair da leitura da lista dos cem melhores guitarristas de todos os tempos, recém-publicada pela revista britânica "Mojo" e reproduzida na Ilustrada de 11 de junho.
Vejo que os irmãos escoceses Jim e William Reid, do Jesus and Mary Chain, ficaram de fora. Noto a ausência de Kevin Shields, do My Bloody Valentine. Percebo que ninguém se lembrou de Will Sergeant, do Echo and the Bunnymen.
Verdade que Johnny Marr, dos Smiths, está lá, em vigésimo terceiro. Mas a lista ignora o grande ídolo de Marr, Nils Lofgren, guitarrista de Bruce Springsteen.
E, acima de todos esses, por que excluíram o Andy Gill, do Gang of Four, o cara que sem ranços experimentalistas incorporou a microfonia a suas canções e antecipou todo o caminho que seria trilhado pelo rock nos anos 80?
Primeiro, penso em culpar os votantes: "Esses caras só pensam na técnica!".
Mas vejo que está lá, em vigésimo lugar, Johnny Ramone. E, sou obrigado a admitir, virtuosismo nunca teve nada a ver com o protopunk dos Ramones.
Acusar o bairrismo britânico também não funciona. Afinal, até o americano J Mascis, do independente Dinosaur Jr., aparece na relação.
Mas se a culpa não é da lista, equilibrada e objetiva na medida do possível, onde está o problema?
Provavelmente, na geração dos pós-punk imediato dos anos 80. Aquela gente de uma timidez criminosa, que não sabia diferenciar entre o amor e o reverso do amor e ria das mulheres que gostam de homens de uniforme.
Aquele tempo sombrio de acirramento de angústias não deu em nada. Abro a "Rolling Stone" e vejo o careta-mor, Bryan Adams, em pose de Iggy Pop numa festa da VH-1, a filial abertamente bem-comportada da MTV.
No mesmo evento, Eddie Vedder, do Pearl Jam, posa com um bonezinho em defesa dos índios americanos. Atrás dele, vê-se o patético Michael Stipe, do R.E.M.
O colapso das ideologias teve um efeito especialmente perverso sobre o universo roqueiro. De uma hora para outra, as entranhas da indústria do entretenimento brotaram do cadáver do pop.
Não como uma experiência reveladora, mas como um exercício barato de cinismo.
Reflexo medíocre de um tempo em que as vitórias baratas são perseguidas a qualquer custo. Em que ambição mercantilista se transforma em qualidade humana.
É como se Jesus and Mary Chain, Echo and the Bunnymen e Gang of Four nunca tivessem existido.
E talvez seja melhor assim.

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