São Paulo, segunda-feira, 17 de junho de 1996
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ELLA se foi

CARLOS CALADO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Não foi apenas o jazz que perdeu sua maior cantora viva, com a morte de Ella Fitzgerald, anteontem, aos 78 anos. A boa música popular fica também sem uma das mais perfeitas e sofisticadas intérpretes de todos os tempos.
Ella estava afastada dos palcos há quatro anos. A mesma diabete que já provocara a amputação de suas pernas, no final de 1993, foi a responsável direta por sua morte.
Para alguns, talvez a voz delicada de Ella não emocionasse tanto quanto a da dramática Billie Holiday (1915-1959). Nem competia com a extensão vocal da exibicionista Sarah Vaughan (1924-1990).
Mas foi graças à sua imbatível elegância musical que Ella Fitzgerald conquistou não só um lugar entre as grandes divas do jazz. Acabou se tornando a "prima donna" da música norte-americana.
A maior prova desse status está na série de "songbooks" que ela gravou entre 1956 e 1964, para o selo Verve, de Norman Granz.
Acariciadas pela voz suave de Ella, centenas de composições dos maiores mestres da canção norte-americana (Cole Porter, George Gershwin, Duke Ellington, Irving Berlin, Harold Arlen, Johnny Mercer, Jerome Kern e a dupla Rodgers & Hart) conquistaram seu definitivo estado-de-arte.
Ella interpretava essas canções sem jamais carregar na emoção. Como só uma grande intérprete é capaz de fazer, traduzia com perfeição o sentido dos versos, sem trair as idéias ou o estilo dos compositores. É por isso que suas versões, quase quatro décadas depois, continuam soando clássicas.
Nascida em Newport News, na Virgínia, em 25 de abril de 1918, Ella não chegou a conhecer o pai. Criada pela mãe, uma lavadeira, perdeu-a aos 10 anos. O jeito foi morar com uma tia, no bairro negro do Harlem, em Nova York.
Quem visse aquela garota gordinha, aos 17 anos, tentando a sorte como caloura no Apollo Theater de Nova York, jamais imaginaria que ela chegaria tão longe.
Na verdade, o sonho de Ella era ser dançarina. Mas o prêmio de 25 dólares, ganho naquela noite, acabou mudando sua vida. Contratada como vocalista da orquestra do baterista Chick Webb, alguns concursos depois, começava ali uma carreira de sucesso.
Ao contrário de outras divas do gênero, que conheceram períodos de esquecimento, tiveram problemas com a polícia, ou mesmo morreram na miséria, Ella não enfrentou uma vida dramática ou infeliz. Nem mesmo as drogas e o álcool, comuns no universo do jazz, frequentaram seu cotidiano.
Após cinco anos cantando na "big band" de Webb, em 1938, ela emplacou seu primeiro hit: 'À-Tisket A-Tasket". Calcados em seu tom de voz ainda infantil, os versos tatibitates da canção quase viraram estigma, levando-a a gravar outras bobagens nessa linha.
Mas a morte de Webb, em 1939, e o declínio das grandes orquestras, precipitou a guinada musical. Contratada pela Decca, em 1941, Ella sofisticou seu repertório e, em pouco tempo, conquistou um lugar no panteão das divas do jazz.
Em 58 anos de carreira, lançou cerca de 150 discos. Gravado em 1989, o último se chama, significativamente, 'Àll that Jazz". O jazz jamais seria o mesmo sem Ella.

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