São Paulo, segunda-feira, 17 de junho de 1996
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O devido processo legal

GERALDO BRINDEIRO

Vivemos uma época neste país em que há uma grande preocupação dos responsáveis pelo funcionamento do sistema jurídico com sua maior credibilidade e maior eficiência, tendo em vista o acúmulo de processos no Judiciário, o excessivo formalismo das regras processuais e a quantidade às vezes abusiva de recursos e procedimentos protelatórios ou impeditivos da prestação jurisdicional.
As dificuldades no acesso à Justiça e a lentidão nos julgamentos definitivos têm sido objeto de críticas e preocupações não só dos principais protagonistas dos processos -os juízes, os advogados e os membros do Ministério Público-, mas também, e principalmente, dos seus destinatários: as partes e os cidadãos e cidadãs brasileiros.
Não tenho dúvidas da necessidade premente de modernizar o Judiciário e o Ministério Público, aparelhando-os com meios materiais e recursos humanos necessários e eliminando anacronismos legislativos e administrativos, que geram lentidão na prestação jurisdicional e o acúmulo de processos.
Há anos tenho sido francamente favorável à adoção do efeito vinculante das súmulas dos Tribunais Superiores, em especial do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.
Não apenas para evitar o acúmulo absurdo de processos repetidos, em que as questões jurídicas já foram anteriormente decididas inúmeras vezes, prejudicando o acesso ao Judiciário e à qualidade da prestação jurisdicional, mas também, e principalmente, em respeito ao princípio constitucional da isonomia, pois parece-me inaceitável dar tratamento diferenciado, com base na mesma lei, a pessoas em situações jurídicas absolutamente idênticas.
Os interessados em número crescente, descrentes da presteza e da eficácia do Judiciário nos campos civil e comercial, buscam outras soluções, como a arbitragem e os acordos extrajudiciais.
No campo trabalhista, tentam-se alternativas negociadas entre trabalhadores e empregadores sem intervenção da Justiça do Trabalho. No campo penal, há reclamações generalizadas sobre a insegurança e a impunidade.
As modernas teorias do processo demonstram seu caráter instrumental, aproximando os mecanismos processuais dos anseios práticos da sociedade.
Não se pode aceitar hodiernamente velhos procedimentos formais por mero apego a oneroso e complicado tecnicismo, em detrimento do exame da substância do Direito.
É preciso que, ao lado das garantias da forma, disponha o processo judicial de eficiência e de funcionalidade. Nesse sentido, os processualistas brasileiros têm dado significativas contribuições à moderna doutrina.
A Constituição Federal de 1988 consagra o princípio do devido processo legal, no seu art. 5º, inciso LIV.
Esse princípio, originado da cláusula do "due process of law" do Direito anglo-americano, deve ser associado aos princípios constitucionais do controle judiciário -que não permite à lei excluir da apreciação do Judiciário lesão ou ameaça ao Direito- e das garantias do contraditório e da ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, segundo o disposto nos incisos XXXV e LV do mesmo artigo da Constituição.
A garantia da prestação jurisdicional, com a devida presteza e sem procrastinações, é corolário do devido processo legal. E quando a expressão refere-se a processo e não a simples procedimento, alude, sem dúvida, ao processo judicial pelo Estado, segundo os imperativos da ordem jurídica, e com as garantias da isonomia processual, da bilateralidade dos atos procedimentais, do contraditório e da ampla defesa.
Penso ainda que a igualdade perante a lei e o devido processo legal são princípios constitucionais complementares entre si, pois os princípios da legalidade e da isonomia -essenciais ao Estado democrático de Direito- não fariam qualquer sentido sem um poder capaz de fazer cumprir e pôr em prática, para todos, com a necessária presteza, a Constituição e as leis do país.
No direito constitucional americano, em que se inspira o princípio do devido processo legal introduzido no Brasil pela Constituição de 1988, as cláusulas do "due process of law" e da "equal protection of the laws" (igual proteção das leis) complementam-se reciprocamente, a partir da 14ª emenda à Constituição de 1787 dos Estados Unidos, ratificada pelo Congresso em 1868.

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