São Paulo, quarta-feira, 19 de junho de 1996
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Qual é a taxa de desemprego hoje no Brasil?

ANDRÉ URANI

Ninguém sabe. Em setembro de 1993, ela era de 6,19% -segundo a última PNAD a ter sido divulgada.
De lá para cá, não dispomos mais de dados nacionais; para saber o que aconteceu com o desemprego, temos que nos contentar com dados parciais, referentes apenas às principais regiões metropolitanas.
Por um lado, temos a PME, do IBGE, que vai a campo em Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador e Recife; por outro, a PED, produzida conjuntamente pelo Dieese e pela Fundação Seade, em São Paulo, Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte e Brasília; por fim, uma outra PED, produzida pelo Sine do Ceará, em Fortaleza.
Podemos, assim, acompanhar mensalmente a taxa de desemprego em nove regiões metropolitanas -mas não temos a menor idéia do que se passa fora delas.
Para três delas, no entanto, contamos tanto com a PME quanto com a PED. É legítimo perguntar por que financiar regularmente (com recursos públicos) duas pesquisas sobre o mesmo tema nessas três regiões metropolitanas e não gastar nem um tostão sequer para saber o que se passa com o mercado de trabalho do Brasil não-metropolitano.
Ainda mais porque, onde a PED e a PME convivem, elas chegam sistematicamente a resultados diferentes: a taxa de desemprego da PED, por exemplo, é sempre maior que a da PME.
Tomemos o caso de São Paulo: em abril deste ano, a taxa de desemprego foi de 7,10%, segundo a PME, e de 15,90%, segundo a PED.
Parte dessa diferença deve-se ao fato de a PED usar um conceito de desemprego mais amplo que o da PME, uma vez que considera não apenas o desemprego "aberto", mas também o "oculto". Isso, no entanto, não explica tudo: a taxa de desemprego aberto de abril, segundo a PED, foi de 11%, mais de 50% acima da taxa da PME.
Essa discrepância é perigosa, porque dá margem à manipulação política desses índices: se você for a favor do governo, toma a taxa da PME; se for contra, toma a da PED.
Isso é péssimo para todos, num momento histórico em que a opinião pública identifica o desemprego como um de seus maiores problemas e em que -cada vez mais- as diretrizes das políticas de geração de trabalho e renda, seguindo as recomendações da OIT, são tomadas conjuntamente, de forma tripartite e paritária, por governo, sindicatos de trabalhadores e entidades patronais.
Para que o Codefat e os conselhos e comissões estaduais e municipais do Trabalho possam enfrentar o desemprego de forma eficaz, é indispensável que se amplie a cobertura das pesquisas de emprego e que se chegue a um consenso sobre os princípios metodológicos básicos que deveriam norteá-las.
Daí ser oportuno, hoje, pensar em acabar com a atual sobreposição de esforços e procurar entender por que as estatísticas disponíveis divergem tanto.
O Ministério do Trabalho nomeou, em fins do ano passado, uma comissão de especialistas para estudar essas questões. No dia 28 de maio último, com o intuito de democratizar esse debate, a Associação Brasileira de Estudos do Trabalho promoveu um evento em que os principais usuários e produtores dessas estatísticas discutiram as possibilidades de caminhar para um núcleo comum.
A discussão, como não poderia deixar de ser, não foi conclusiva.
Por um lado, há praticamente um consenso de que a PED lida melhor com a heterogeneidade do mercado de trabalho brasileiro.
Por outro, a PME acompanha seus entrevistados durante um certo período de tempo, o que permite gerar informações sobre as trajetórias individuais entre diferentes setores e/ou posições na ocupação que podem ser muito úteis na formulação de políticas de geração de trabalho e renda.
Quanto às diferenças em relação ao cálculo do desemprego aberto, foi possível apurar que elas são mais significativas para o período de referência de 30 dias do que para o de sete dias e podem estar relacionadas tanto às distintas sequências quanto às próprias amplitudes dos questionários.
O debate mal começou. Se quisermos que ele culmine em um sistema único, mais amplo que o atual, que adote uma metodologia transparente, aceita consensualmente pelos principais atores sociais e coerente com as normas internacionais, que produza resultados acessíveis e verificáveis sistematicamente pela sociedade civil, o próximo passo é aprofundar nossos conhecimentos sobre as causas das diferenças dos resultados das pesquisas existentes.
Para tanto, é preciso que um número maior de usuários tenha livre acesso às informações primárias das duas pesquisas e que as instituições que produzem essas informações sejam mais diretamente envolvidas na discussão.

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