São Paulo, domingo, 23 de junho de 1996
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As previsões do BC

CELSO PINTO

A estratégia do governo Fernando Henrique Cardoso até 98, o ano da eleição (ou reeleição) presidencial, será uma fortíssima acumulação de reservas cambiais, neste ano, que permitiria manter o reajuste cambial bem abaixo da variação inflacionária. Com isso, a inflação cairia para apenas 3,6% ao ano em 98.
Esta é a conclusão embutida numa série de projeções reservadas feitas pelo Banco Central para algumas variáveis-chave da economia. Elas indicam a plena disposição do governo de dobrar a aposta no modelo atual de estabilização.
A projeção para as reservas cambiais é de um aumento de US$ 17,3 bilhões neste ano. Isso indica que o BC espera o ingresso de quase US$ 10 bilhões adicionais em reservas de junho a dezembro.
Existe um custo fiscal de cerca de 10% na acumulação das reservas, pela diferença entre o que o Brasil obtém de remuneração sobre elas e o que paga internamente para recolher os reais que elas geram. Só o fluxo adicional neste ano, portanto, teria um custo fiscal de cerca de US$ 1,7 bilhão.
As reservas garantem o uso da chamada "âncora cambial", ou seja, segurar o câmbio para conter a inflação. As projeções do BC confirmam essa intenção. Neste ano, com uma desvalorização média de 0,45% nos meses que restam, o reajuste cambial acumularia apenas 5,8%, metade da projeção inflacionária (medida pelo IGP-DI) de 11,6%. O dólar fecharia o ano valendo R$ 1,030.
O BC acha esta situação compatível com uma redução dos juros. A taxa básica de juros (over Selic) real (descontada a inflação), que estava, anualizada, em 29,9% em abril, fecharia o ano em 13,8%. A média ficaria em 14,5% comparada a 33% no ano passado. A taxa referencial (TR) teria um reajuste médio de 9,5% no ano.
O BC é também otimista em relação à situação fiscal. O déficit nominal fecharia em 4,9% do PIB, o operacional (descontada a inflação), em 2,2% do PIB e haveria um superávit primário (receitas menos despesas exceto juros) de 1,5% do PIB. O estoque da dívida líquida ficaria em 35,8% do PIB.
A partir desse cenário, o BC imagina uma aposta ainda mais forte na mesma direção. As reservas cambiais continuariam a crescer alguns meses em 97, mas, a partir daí, cairiam. Fechariam o próximo ano com uma perda de US$ 1,6 bilhão e 98 com outra perda, de US$ 4,3 bilhões, obviamente fruto de déficits maiores na balança comercial, levando a déficits mais elevados em transações correntes. Mesmo assim, o nível de reservas, ao final de 98, ainda seria superior ao atual, ou cerca de US$ 63 bilhões.
Nos dois próximos anos, o uso das reservas seria, mais uma vez, a base para segurar o reajuste cambial e, com isso, ganhar ainda mais pontos na inflação. As projeções do BC indicam uma inflação, medida pelo IGP-DI, de 7,4% no próximo ano e de apenas 3,6% em 98, o crucial ano da sucessão presidencial.
O câmbio seria reajustado bem abaixo da inflação. A desvalorização seria de 4,2% em 97 e de 2% em 98. Desta forma, em dezembro de 1998 um dólar ainda valeria apenas R$ 1,096.
A taxa média de juros básica, em termos reais, cairia para 9,8% no próximo ano e para 7,8% em 98. A variação média da TR seria de 6% em 97 e de 2,1% em 98.
O cenário fiscal apresentaria pequenos progressos no caso do déficit nominal, que ficaria em 4,6% do PIB em 97 e em 3,3% em 98. O déficit operacional ficaria estável em 2,3% em 97 e em 2,2% em 98. E o superávit primário cairia para 1,1% do PIB em 97 e para 0,8% em 98. Os gastos com juros cairiam de 3,8% do PIB este ano, para 3,4% em 97 e para 3% em 98.
O estoque da dívida líquida do setor público cresceria levemente para 36,3% do PIB em 97 e para 36,9% em 98. Um prodígio, considerado todo o estoque de problemas fiscais a absorver.
Naturalmente, como qualquer projeção econômica, a do BC pode estar sujeita a equívocos e parece embutir muito otimismo fiscal e nas contas externas.
Vale lembrar, contudo, que este é o cenário vendido ao presidente e a base de sua aposta econômica e política. É uma opção nítida pela menor inflação possível, apoiada na âncora cambial. O risco, se os críticos estiverem corretos, é que esta estratégia leve a déficits perigosos nas contas externas e exijam correções de rumo.

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