São Paulo, domingo, 23 de junho de 1996
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Com a bomba no bolso

JANIO DE FREITAS

Uma regrinha simples, mas pouco considerada, diz que toda vez que alguém de um governo age só por irritação, ao se sentir confrontado com fatos adversos, acabará colhendo boa parte dos prejuízos que quis impingir, em represália, ao que o contrariou.
Não está claro se por iniciativa de um ou de outro, o presidente Fernando Henrique Cardoso e o ministro Raul Jungmann, da reforma agrária, acabam de levar o governo a mais uma infração contra a regrinha. Muito irritados pelas novas investidas dos sem-terra, os dois concordaram depressa em divulgar que terras invadidas, ainda que improdutivas, não mais serão desapropriadas para distribuição a lavradores.
Mesmo que o movimento dos sem-terra não estivesse tão bem articulado, certamente mais do que o próprio governo, a decisão não impediria novas invasões. Pela obviedade de que são inúmeros os focos de alta tensão, nos quais pode acontecer, a qualquer instante, o sentimento de que mesmo o risco de conflito e morte, em uma invasão, é melhor do que a permanência da passividade.
As invasões vão continuar, mas o governo desfez-se do que era o seu principal instrumento para conter, e quase sempre para refluir, as investidas extremadas dos sem-terra. Diante de cada invasão, só lhe restará o dilema obtuso: a complacência com o ato transgressor ou o uso da força com suas probabilidades sangrentas?
Em qualquer escolha, o governo não perderia menos do que os sem-terra. E como vai sair desta bomba que pôs no próprio bolso, é coisa para ser pensada com alguma rapidez, antes que mais invasões ponham em cheque a palavra do ministro (para nem falar na do presidente).
A voz do bolso
Ficou claro, na reunião de pefelistas com o ministro Adib Jatene, que o motivo do líder Inocêncio Oliveira para opor-se à CPMF (a dedução nos cheques, em favor da saúde) não está, como ele dizia, no programa partidário. Está no bolso: com Jatene na Saúde, diminuiu a contribuição do governo para o faturamento da sua clínica (na Caruaru das hemodiálises mortíferas). Inocêncio admite que isso ele não perdoa.
O motivo do deputado Luís Eduardo Magalhães, também para ser contra a contribuição à saúde, deixa uma dúvida. Diz ele: "A corrupção vai atrás do dinheiro. Se houver mais dinheiro, vai haver mais corrupção". Seria este, então, o motivo dos parlamentares baianos que compõem a bancada mais lutadora por recursos para o seu Estado?
Nunca se tinha imaginado isso. Assim como não se imagina que o deputado baiano ousasse insinuar corrupção por parte de Adib Jatene.

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