São Paulo, domingo, 23 de junho de 1996
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Cidade é dividida ao meio por 2 famílias

MARILENE FELINTO
DA ENVIADA ESPECIAL

São João no município de Floresta (PE) é mais do que uma simples festa junina no sertão brasileiro.
Às comemorações do dia do santo, juntam-se o aniversário da cidade (20 de junho) e, em ano de eleições municipais, a propaganda pessoal dos candidatos sertanejos.
A cidade de 15 mil habitantes é uma das mais violentas de Pernambuco. No município de Floresta, foi registrado ninguém menos do que o cangaceiro Lampião.
Conhecida por ter sido o epicentro do escândalo da mandioca, em 1981, está localizada no chamado quadrilátero da maconha, região de grandes fazendas de plantação e tráfico da droga.
Mas a pior fama de Floresta é a de ser produtora de pistoleiros que já mataram mais de uma dezena de pessoas, numa guerra que se arrasta até hoje entre as famílias Novaes e Ferraz.
Os territórios de ambas são demarcados pela praça central da cidade: Novaes de um lado, Ferraz de outro, com igrejas, clubes e restaurantes separados.
Nos festejos de São João, a cidade mistura aos clarões das fogueiras, ao milho assado, ao munguzá, à canjica e às danças típicas, boatos de degolamentos no seu passado recente, além do discurso próprio da política regional.
A política em Floresta, como em todo o sertão brasileiro, é autônoma, totalmente desvinculada da Federação. As eleições da cidade são movidas menos pelos temas do governo FHC do que pelas fortes tradições locais.
Ali, questões como privatização, globalização ou desvalorização do real não fazem qualquer sentido. Importa aos florestanos -os do poder e os do povo- que as quadrilhas de São João ganhem as ruas e que os jumentos da festa estejam a posto na hora do show.
Na noite do encontro das quadrilhas, o ator local Muçum dançou ao lado do jumento, sob aplausos entusiásticos, dublando Luiz Gonzaga: "O jumento é nosso irmão, quer queira quer não; o jumento é nosso irmão, ele é o maior desenvolvimentista do sertão."
As comunidades do sertão assimilam com dificuldade os conceitos da modernidade brasileira. Fazem aos trancos e barrancos sua -para usar expressão de Darcy Ribeiro- "atualização histórica".
O mundo à parte em que vivem, representado, por exemplo, pelo nome da quadrilha "Varre, Varre, Vassourinha", refrão do velho jingle político de Jânio Quadros, talvez não perca nunca os vícios da província. O futuro do sertão -isolado assim no oco do mundo, tão solitário quando anoitece- só não é um mistério porque o presente ali perdura.

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