São Paulo, domingo, 23 de junho de 1996
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Clima de desmanche põe Palmeiras em xeque

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Estrago maior para o nosso futebol não foi tanto a perda da Copa do Brasil pelo Palmeiras, time que, durante quase todo este semestre, era a prova viva de que o espetáculo pode ser também vencedor.
Afinal, o Cruzeiro, ao contrário do Grêmio, outro emérito vencedor, pratica um futebol agradável, feito de toques, dribles, alternativas de ataque e muita competitividade.
Além do mais, esse Cruzeiro teve de cumprir uma campanha ainda mais árdua que a do Palmeiras no torneio.
Não. O maior prejuízo para este futebol tão carente de organização, seriedade e eficiência foi provocado pela insensibilidade da Parmalat, exatamente o paradigma de quem, como eu, defende a profissionalização da cartolagem.
Resumindo: a matriz ferrou a filial, ao investir fora de hora exatamente sobre os dois jogadores mais importantes da equipe -Cafu e Rivaldo. E a filial completou o serviço, deixando Muller escapar pelos dedos.
Pode-se argumentar que a Parmalat não tem culpa de Rivaldo estar beirando a estafa muscular. Isso é problema do técnico, do preparador físico, do próprio jogador, do calendário do nosso futebol.
Porém, mais do que o cansaço muscular de Rivaldo, o que derrotou o Palmeiras e colocou em xeque a eficiência do consórcio -além, claro, dos méritos do adversário- foi esse clima de desmanche, de implosão, que pairou sobre a Academia em tempos tão decisivos.
Não me venham dizer que jogador experiente, com faixa de campeão no peito, está imune a essas coisas. Dispensa-se diploma de psicologia para se saber que não há alma humana infensa às vertigens de uma conta bancária recheadíssima e de mudanças radicais na própria vida.
É a mulher, cheia de aflições aqui, são os amigos soprando fantasias ali; enfim, é a cabeça do jogador rodando a mil. E a bola, onde está? Passando ao largo, por certo.
Futebol é concentração, antes de mais nada. E o Palmeiras, mais do que qualquer outro time nestas últimas décadas, equilibrava-se no topo de uma torre construída por elementos mágicos, intrincada combinação de delicadas células, que, no conjunto, formam a emoção, a técnica refinada e o espírito de participação coletiva. Em suma: uma bolha de cristal, frágil, capaz de explodir ao excesso ou à falta de qualquer um desses fatores. Agora, só resta recolher os fragmentos.
*
Além do mais, o calendário do nosso futebol é um absurdo, o que descumpre qualquer regra básica de programação.
Por aqui, jogos são adiados ou inseridos sem o menor critério ou respeito ao consumidor. Joga-se demais e, por isso mesmo, deficitariamente.
Sem contar o fato de que é invertido, em relação à Europa, o que provoca situações como a vivida agora pelo Palmeiras: como lá é época de contratações, nossos jogadores sofrem assédios como o do Parma sobre Rivaldo e Cafu bem no meio das competições.
Some-se a isso a derrapada recente da Parmalat e começo a ter certeza de que invadiremos o século 21 como se estivéssemos às vésperas da Revolução Francesa.

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