São Paulo, domingo, 23 de junho de 1996
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O início, o fim, o meio de um encontro diário

PAULO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

O início Em junho de 1993 eu estava em Nova York, em pleno lançamento de "O Alquimista" nos EUA, quando recebi um telefonema de Alcino Leite Neto, então editor da "Ilustrada": "Gostaríamos que você fizesse uma coluna diária".
O convite me assustou e me entusiasmou ao mesmo tempo: "Devo escrever sobre o quê?", perguntei. "Sobre o que você quiser", foi a resposta. "A única limitação é esta: seja o que for, deve ter no máximo 11 linhas".
Onze linhas? Impossível, ninguém consegue desenvolver nada neste espaço. Diária? Mais impossível ainda, vai faltar assunto. E começando justamente num período em que já estava algum tempo fora do Brasil, falando e pensando em outro idioma? Não vai dar de jeito nenhum. Estava decidido a telefonar, avisando que agradecia o convite etc., quando pensei: "Esta coluna foi um sinal. Será a melhor maneira de manter contato com meus leitores enquanto estiver aqui".
Um repórter da Folha foi me entrevistar, para formalizar o início de minha colaboração. No dia marcado para sair a primeira coluna, liguei para a minha mulher no Brasil: "Saiu uma grande entrevista com você", disse ela, "mas não vi a coluna". Foi preciso reler a "Ilustrada" inteira para encontrá-la, num canto da página cinco.
O fim
A tal viagem, que eu pensava fosse durar aproximadamente dois meses, continua até hoje. Tenho passado a maior parte do meu tempo de país em país, para dar ao meu trabalho literário o seu necessário suporte operário. Mas o tal canto da página cinco (atualmente na página dois) passou a ser republicado em 14 jornais do Brasil e dois do exterior, cujas tiragens somadas dão aproximadamente 2,1 milhões de exemplares nos dias de semana e quase o dobro aos domingos.
O mérito não é meu: o tempo provou que as tais 11 linhas e a paginação sob forma de cartão de visita permitiam uma leitura rápida, mas sistemática. Grande parte dos textos publicados na coluna -vindos das sábias tradições religiosas e espirituais de todos os lugares do planeta- eram concisos e pequenos, demonstrando mais uma vez que a busca espiritual é algo direto, simples, mas cuja simbologia riquíssima nos exige um constante trabalho de reflexão.
Uma destas colunas dizia: "O guerreiro da luz conhece o momento de parar".
O meio
Tive que reler clássicos que adiava, buscar histórias que já havia esquecido, estar mais atento ao que acontecia à minha volta, anotar episódios de minha vida a que nunca dei o valor que mereciam. Desenvolvi um personagem, o "guerreiro da luz", que reflete um pouco de cada um de nós: mesmo com nossas dúvidas e erros, é importante seguir adiante.
Como as colunas eram entregues com antecedência, eu jamais sabia o que ia ler no jornal do dia seguinte -e assim podia compartilhar da mesma surpresa de quem lia. Em vôos internacionais de volta ao Brasil, a primeira coisa que eu fazia era pedir ao comissário de bordo uma Folha, para saber qual a mensagem que eu estava mandando para mim mesmo.
Algumas vezes eu gostava, outras vezes não; em poucas ocasiões pensei: "Não devia ter escrito esta". Mas, de uma maneira geral, estou contente com o bom combate que travei para manter a seriedade e o humor, o sagrado e o profano, o antigo e o moderno, nas 11 linhas diárias.
Num período em que fui -e sou- cercado de muitas solicitações vindas das mais diversas áreas, "Maktub" me exigiu o exercício diário do meu ofício: escrever. Com os pequenos tijolinhos publicados, fui reconstruindo a mim mesmo.
Três anos e 1.096 colunas depois, sinto que -como dizia a coluna do guerreiro da luz- é chegado o momento de parar. Explicação? Nenhuma. Os guerreiros vivem de sinais, e eu recebi o meu. Não preciso da lógica para justificar tudo o que faço: aprendi que, ao lado da razão, existem forças ainda não compreendidas que nos guiam pelas estradas deste mundo. Acredito nestas forças, escuto o que elas me dizem e -geralmente- obedeço suas instruções.
"Maktub" jamais teria existido se não fosse a atitude pioneira e revolucionária da Folha, que teve a idéia, e descobriu o formato ideal para ela, possivelmente lutando contra alguns preconceitos e correntes contrárias. Ao jornal, o meu sincero obrigado.
O maior agradecimento vai, porém, aos leitores -que colaboraram com testemunhos, histórias, bibliografias e com depoimentos que me comoveram. A estes, quero recordar uma mensagem de "O Profeta", de Gibran: depois de escutar as belíssimas reflexões que o personagem-título faz, um dos habitantes da aldeia agradece os ensinamentos. O profeta responde: "Acaso não fui eu também um ouvinte?".
Pois é: como disse antes, eu também fui o leitor. Certa tarde, entrando numa loja de ferragens, vi colado no vidro do balcão um "Maktub". O vendedor, notando o meu interesse, comentou: "Esse Confúcio é o máximo".
Esta é a minha maior recompensa. Confúcio, Nasrudin, Lao-Tsu, Halliel são o máximo. Andavam meio esquecidos, mas espero que tenham aparecido para cada leitor na hora certa, da mesma maneira que "Maktub" apareceu na hora certa em minha vida.

LEIA a última coluna "Maktub" à pág. 5-11

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