São Paulo, domingo, 23 de junho de 1996
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Novo rico russo não abre mão da dacha

Libération
de Paris

DIDIER FRANÇOIS

Tudo aqui exala dinheiro. São dachas (casas de campo) grandes e luxuosas com antenas parabólicas e limusines estaciona das à porta -sinais convencionais do enriquecimento rápido. No elegante balneário de Gelendjik, entre colinas, vinhedos e campos de golfe, os "novos russos" ostentam seu sucesso econômico sem complexo de culpa.
As margens do mar Negro sempre atraíram as camadas abastadas do regime. Por muito tempo reservada aos "apparatchiks" do Partido Comunista da ex-URSS, a cidade agora é o reduto predileto da aristocracia russa, que leva suas casas de campo a se multiplicarem como cogumelos após a chuva.
Uma dacha em Gelendjik não sai por menos de US$ 150 mil -um século de salário médio de um operário moscovita. É quase impossível encontrar adversários de Boris Ieltsin no local.
"Se os comunistas vierem tirar minha casa, instalo uma metralhadora no balcão -e não serei o único", diz Slava, 48, executivo petrolífero. "As pessoas daqui não vão votar no homem e sim no sistema, nas reformas. Apesar de seus erros, Ieltsin nos garante estabilidade, que é o mais importante para a Rússia. Quanto aos outros, não se sabe o que podem fazer."
Como ele, os vizinhos vêm de Tiumen, Sibéria. "Após mais de 25 anos no frio, queríamos um pouco de calor." Iulia, 21, estudante de economia e filha de um empresário, é uma das que se beneficiaram com os novos ricos. Seu pai abriu sua própria construtora em Gelendjik ainda em 1990, no início da perestroika.
"A vida melhorou muito, se bem que, de um ano para cá, com a guerra na Tchetchênia e o clima de incerteza política, o dinheiro vem diminuindo. Muitas casas estão inacabadas, aguardando o resultado da eleição, e enquanto isso as despesas ficam congeladas."
"Não sei se Ieltsin é um bom ou mau presidente. Mas sei que, com ele, tenho mais futuro. Encontrei um modo de vida que me agrada. É verdade que não me lembro muito bem da época soviética, era pequena demais. Mas sei que se os comunistas voltarem ao poder, vai explodir uma guerra civil."
Vera, 22, montou um pequeno armazém ao lado da estrada. Ali ela oferece aos "executivos ricos do norte" bolos, docinhos, ketchup e cigarros, para completar seu modesto salário de carteira -240 mil rublos por mês (R$ 50). "Para ganhar tão pouco é melhor ficar em casa", diz ela, que por isso decidiu prolongar sua licença-maternidade por sete anos para cuidar do filho doente.
Com sua lojinha, Vera ganha algumas dezenas de dólares por mês. Vera vai votar em Guennadi Ziuganov. "Talvez os comunistas fechem o negócio, mas e daí? Não tenho nada a perder. Continuarei com meu emprego de carteira. Não tenho medo."

Tradução de Clara Allain

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