São Paulo, domingo, 23 de junho de 1996
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Briga pelo espólio político pode abrir crise

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

Na ânsia de tirar o máximo proveito político possível da onda de incêndios contra igrejas negras, líderes dos principais partidos políticos nos EUA podem criar uma confusão constitucional.
Como quase todos esses casos ocorreram em Estados do sul do país, onde a tradição de racismo e de impunidade para crimes cometidos por brancos contra negros é grande, há dúvida generalizada sobre o empenho dos governos locais em achar os culpados.
O Executivo, controlado pelo Partido Democrata, colocou a polícia federal (FBI) e o Birô de Álcool, Tabaco e Armas (ATF) em ação para localizar suspeitos.
A base legal para sua ação é a presunção de que os incêndios foram provocados por explosivos. Mas, se suas investigações não comprovarem a hipótese, como é provável, os acusados não poderão ser processados em cortes federais.
Por isso, o partido da oposição, o Republicano, que tem maioria no Congresso, sugeriu e aprovou lei para permitir que incêndios de igrejas sejam sempre processados pela União em vez dos Estados.
Mas a Constituição dos EUA foi redigida sob o espírito do federalismo estrito e originalmente só permitia que o governo federal processasse três tipos de crimes: traição, pirataria e falsificação.
Por essa brecha, o governo federal obteve o direito de processar diversos tipos de crimes. Ela também foi o meio pelo qual os republicanos obtiveram, com o apoio do governo, a aprovação da Lei de Prevenção aos Incêndios de Igrejas de 1996, um ponto para a campanha eleitoral de Bob Dole.
Mas os eleitores mais atentos vão notar que essa lei contradiz o programa republicano, que prega maior autonomia para os Estados.
Apesar das aparências, cerca de 200 agentes federais postos em ação para descobrir o que há por trás da epidemia de incêndios não conseguiram achar evidências de relação entre os casos.
Onde suspeitos foram presos, constatou-se que sua ação foi isolada: uma garota de 13 anos com sérias perturbações mentais e um par de negros assaltantes.
Em pelo menos oito episódios, a conclusão inicial é de que o incêndio foi um acidente.
Igrejas, nos EUA, queimam fácil. A maioria é feita de madeira, muitas têm mais de cem anos de construção e poucas passaram por reformas elétricas recentes.
A absolvição de O. J. Simpson e a Marcha de 1 Milhão de Negros foram os mais recentes exemplos agudos de como as relações entre brancos e negros ainda são complicadas. Os dois não resultaram em conflitos porque, em ambos, os vitoriosos foram os negros.
Mas o ressentimento da maioria branca, na defensiva, se manifesta ou por meio de ações legais para acabar com conquistas legais obtidas pelos negros, como a política de ação afirmativa, ou de forma primitiva, como nos ataques contra igrejas negras, vulneráveis sob todos os pontos de vista.

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