São Paulo, domingo, 23 de junho de 1996
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Isso me ama

MARCELO MANSFIELD
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quando os primeiros acordes de "Hino ao Músico", a eterna música de abertura dos programas de Chico Anysio entrava no ar, metade da população pré-revolução esperava, ansiosa, o desfile de personagens (então novos) do comediante do Brasil.
A outra metade, esperava Maria Tereza, a mulher do coronel Limoeiro, uma das criações mais famosas da galeria de tipos do comediante.
Maria Tereza, diziam, era inspirada na então primeira-dama do país, Maria Tereza Goulart, mais famosa por suas roupas dois números menor do que por suas qualidades a frente de obras assistenciais, e, às vezes, mais popular do que seu marido, o presidente João Goulart.
A Maria Tereza de Chico Anysio também era mais famosa que o coronel Limoeiro, pelo menos no que se refere ao elemento masculino (que ansiosamente esperava sua entrada). Mas, ao contrário da primeira Dama, Maria Tereza, não dependia do marido famoso, na ficção ou na realidade, afinal ela tinha um nome só dela: Zélia Hoffman.
Loira e linda, Zélia Hoffman era uma daquelas atrizes que não se faz mais: cantava, dançava e interpretava. Mais do que isso, ela não era somente uma escada para as piadas do comediante, mas era dona de uma personalidade própria, só dela, que nenhuma outra atriz, até hoje, na história da comédia televisiva, conseguiu superar: ela era a piada.
Quem hoje em dia faz isso? Talvez Claudia Raia. Mas uma andorinha, dizem, não faz o verão. Principalmente com seus números musicais. Esses são tão cheios de efeitos de câmera que ninguém vê a dança em si, só um monte de pernas voando para lá e para cá.
Diretores e editores de "Não Fuja da Raia" deveriam ver os filmes de Fred Astaire ou Gene Kelly, onde a câmera pega a cena em plano geral, mostrando ao que vieram os dançarinos, ao invés da cultura Freddy Kruger, onde tudo é aos pedaços. Mas isso é para uma outra vez. Agora se fala de Zélia Hoffman. E Zélia Hoffman faz parte de uma casta de atrizes que já não existe mais.
Para se ter uma idéia do sucesso que Zélia tinha, o número zero da revista "Intervalo", a maior publicação sobre TV dos anos 60, traz a própria em página inteira, referindo-se a ela como "A popularíssima intérprete de Maria Tereza" ...nem se fala no programa, nem do comediante que dava nome ao show, Chico Anysio.
Se hoje em dia, 46 anos depois de sua inauguração, a televisão mantivesse uma escola para novos talentos (não as ditas "oficinas", que nada mais são do que uma "empatação" para treinar atores já escolhidos nas praias do país por seu porte físico) para preparar novatos, Zélia Hoffman deveria estar entre as primeiras professoras.
Suas qualidades vão além de um par de pernas que rivalizam com as "coxinhas de padaria" das estrelinhas das novelas de hoje em dia, ou a incapacidade de ser sensual daquelas que se julgam herdeiras de Rita Hayworth só porque encolhem os ombros nas fotos de publicidade.
Zélia Hoffman era um "Mulherão". É um mulherão. E talentosa, ao contrário das atuais "gostosinhas" de plantão. Quando ela cantava "Nada de Twist, Nem de Chá-Chá-Chá" no programa "Times Square", todos babavam: os homens queriam tê-la... as mulheres queriam sê-la.
Mulheres como ela jamais sentariam em privadas no horário nobre, ou dariam gritinhos ao ver a braguilha aberta de um galãzinho em ascensão, pois sua superioridade feminina, bem anterior a revolução sexual, a colocava num pedestal feito para pessoas escolhidas para serem adoradas como a mais perfeita forma de feminilidade. E feminilidade, talento e carisma como Zélia Hoffman, poucas, muito poucas, pouquíssimas atrizes de hoje em dia tem.
É uma pena que os diretores, produtores e quem mais determina quem é quem na TV hoje em dia, não tenham cultura e sabedoria para reconhecer que alguém como Zélia Hoffman faz tanta falta a televisão como ovo faz falta ao omelete.
Mas Deus é justo, e alguém, com um velho moletom jogado nas costas, nos confins das salas empoeiradas de casting, cheias de fotografias de beldades mais ou menos famosas, vai ler essa coluna e pensar, talvez com alguma dificuldade por conta de seus cérebros de azeitona: "Poxa, cara... ihhh, olha aí... eu sou diretor de elenco, manja... elenco, né que se fala??... vou chamar essa mina que o cara falô... pô, vou fazê o maior sucesso, tá ligado??? vão dizer que eu sou bom, que eu descobri uma mulher legal e talentosa... ihhh, óia aí: vou virar diretor, cara".
PS: Diretor é aquele sujeito menos esperto que o diretor de casting, que esquece de convocar pessoas como Zélia Hoffman para fazer papéis que são entregues a pessoinhas cuja instrução escolar só é suficiente para assinar autógrafos. E dizer que um "medalhão" da TV como Chico Anysio, há não muito tempo atrás disse: Isso me ama.

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