São Paulo, segunda-feira, 24 de junho de 1996
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Seguros - é importante preservar o IRB

ANTONIO PENTEADO MENDONÇA

Ao longo dos dois últimos anos a atividade seguradora brasileira vem passando por uma verdadeira revolução. Começando pelo pulo fantástico de seu faturamento, até as práticas comerciais, tudo, na atividade, foi sacudido e modificado. O processo ainda se encontra em plena ebulição, mas já é possível se fazer um desenho mais ou menos claro da cara do mercado ao seu final.
E é aqui que o desenho ameaça fazer água. O que se tem por certo, passados estes dois anos, é que os técnicos do Ministério da Fazenda não entendem como a atividade funciona.
Mais grave ainda, esses técnicos, mesmo tendo o apoio da Susep (Superintendência de Seguros Privados), que poderia balizá-los, assessorando-os pelo menos com as explicações mais simples, insistem em fazer ao seu modo e acabam fazendo mal.
A prova disso é a forma com que o tema "planos de saúde" vem sendo tratado. Nenhuma seguradora foi envolvida na história e, no entanto, o governo abre o setor para o capital estrangeiro. Só que abre de forma errada, porque, ao contrário do que os seus técnicos pensam, não existe o setor de seguros saúde.
O seguro saúde faz parte dos chamados seguros de ramos elementares, que englobam todos os tipos de seguros, exceto os seguros de vida. Assim, ao abrir saúde, de verdade, o governo está abrindo ramos elementares, ou seja, o governo está abrindo o mercado segurador, com exceção de vida, para o capital estrangeiro.
Mas, mesmo aqui, a forma adotada não é mais correta. Nós tivemos inicialmente uma exposição de motivos do ministro da Fazenda e agora acaba de sair um parecer da Advocacia Geral da União. Acontece que nenhum dos dois documentos tem força para alterar a lei, ao passo que o impedimento da abertura do mercado segurador para o capital estrangeiro está embasado numa simples resolução do Conselho Nacional de Seguros Privados, que limitou a sua participação a um máximo de 50% do capital total da seguradora, com 33% das ações com direito a voto.
Quer dizer, bastaria uma reunião do conselho para que esses limites fossem alterados, permitindo o ingresso das grandes seguradoras mundiais no nosso mercado.
Só que mais uma vez o governo não vê o óbvio: as grandes seguradoras mundiais já estão no mercado brasileiro. E as que não estão foram embora porque quiseram. As outras, com exceção de algumas americanas, atuam aqui, só ou em parcerias, faz muito tempo.
É o caso das alemãs Allianz, Gerling, HDI e Colonia, das suíças Zurich e Whintertur, das francesas AGF e UAP, da italiana Generali, das americanas Prudential e AIG, das grandes seguradoras japonesas e de outras que não precisam ser citadas para demonstrar que as análises dos técnicos do Ministério da Fazenda e de boa parte de nossos congressistas estão erradas.
As três principais vertentes para a consolidação do setor segurador como um setor afinado com suas atribuições de financiador do desenvolvimento nacional passam pela maior participação das seguradoras estrangeiras na atividade, pela abertura do mercado de resseguros e pela reforma da previdência social.
Como nós já vimos, as seguradoras estrangeiras estão aqui e, para que possam atuar com total independência, basta uma reunião do Conselho Nacional de Seguros Privados.
A questão da reforma da previdência é mais complexa, porque passa pelo Congresso Nacional e ninguém sabe o que pode sair.
Finalmente, a questão do resseguro precisa ser vista com muito cuidado, porque não tem sentido, em nome da abertura da atividade, liquidar com o Instituto de Resseguros do Brasil, que é quem detém o monopólio desse tipo de operação.
O exemplo argentino está aí, bem ao nosso lado, mostrando o quanto custou para todo o sistema a quebra do Inder, que, diga-se de passagem, quebrou em função de uma crise de confiança e não porque estivesse realmente quebrado.
O Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) tem um dos maiores limites operacionais do mundo, o que lhe possibilita dar sustentação a todas as companhias menores que operam no país.
Como a globalização do mercado tende a concentrar ainda mais um setor onde o grosso do lucro está na mão de cinco empresas, destruir o IRB vale dizer acabar com as seguradoras médias e pequenas, que não terão condições de concorrer com as seguradoras ligadas a conglomerados financeiros, nem com as estrangeiras, e muito menos com as seguradoras ligadas a bancos, associadas com as estrangeiras.
As grandes resseguradoras internacionais não vão se instalar no Brasil, abrindo companhias que exijam aporte de capital. O que elas querem são os nossos excedentes, que têm uma das melhores sinistralidades do mundo. Inviabilizar o IRB, que pode se tornar o maior ressegurador abaixo do Equador, significa privilegiar os grandes conglomerados e o desmonte de um dos setores mais capitalizados da economia nacional.

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