São Paulo, terça-feira, 25 de junho de 1996
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Caindo na real

LUÍS PAULO ROSENBERG

O governo avisa que está desistindo de aprovar emendas constitucionais e partindo para a briga nas votações e projetos de lei que tragam a modernização do Estado e a redução do "custo Brasil".
Imediatamente começaram as críticas à iniciativa. Uns alegando que emendas constitucionais não podem ser substituídas por leis e medidas provisórias, sob pena de golpismo contra as instituições. Outros, por verem na nova postura oficial o reconhecimento de sua própria incompetência em conduzir a bandeira do avanço no Congresso, a capitulação aos inimigos do progresso, a aceitação de que as modificações estruturais não acontecerão.
Que matérias constitucionais não podem ser alteradas por leis é óbvio, mas não é disso que se trata. Trata-se, sim, de extrair do espaço aberto aos projetos de lei ordinária ou complementar todo o suco modernizante que aí exista. Nesse aspecto, a nova orientação governamental não pode ser vista como aceitação de derrota, mas sim como pragmatismo consequente.
Da mesma forma que uma estratégia de ocupação territorial sugere que se utilize a força aérea para destruir o poderio militar do inimigo, seguida imediatamente da ocupação territorial pela infantaria a fim de consolidar posições antes de partir para novas conquistas, o governo está optando por transformar logo em lei propostas que podem amenizar o ônus de implantação do programa de estabilização, sem desistir de aprovar as emendas constitucionais mais para a frente.
É claro que o ideal teria sido FHC submeter na sua posse o conjunto de emendas que gostaria de ver aprovadas, colocando o peso do seu estrondoso sucesso eleitoral para pressionar o Congresso no tudo ou nada.
Ou, alternativamente, termos um Congresso consciente da importância das reformas em pauta, que votasse as emendas com a mesma sofreguidão com que defende seus direitos e regalias.
Mas, como lembra sabiamente o provérbio turco, se minha tia tivesse testículos, seria meu tio, não minha tia. Esse é o único presidente que temos e ele, em vez de preparar o pacote de emendas, preferiu passar o tempo entre sua posse e sua eleição em frente ao espelho mágico, perguntando: "espelho meu, espelho meu, existe sociólogo mais bem-sucedido do que eu?"
Similarmente, não adianta sonhar com um Congresso suíço. O nosso é, representativamente, o reflexo das nossas imperfeições e imaturidade.
Nesse quadro, não há como deixar de aplaudir o bom senso do governo em fazer o máximo possível dentro dessa realidade. E há muito a avançar, só com projetos.
Na área tributária, por exemplo, o projeto de desoneração preparado por Kandir daria ao exportador uma redução de custo equivalente a uma desvalorização cambial de 10% a 12%, sem comprometer a lógica da âncora cambial do Real.
Já o projeto do ministro Paiva de redução de custo indireto da mão-de-obra poderia fazer mais para reduzir o desemprego do que dez greves fracassadas, como a da semana passada.
Assim como o projeto de criação da previdência suplementar individual acelerará a percepção dos trabalhadores de que a privatização da Previdência pode fazer mais pela velhice serena deles do que qualquer volume de recursos que se despeje no paquidérmico INSS.
Acelerando as privatizações já permitidas pela Constituição ou cortando o gasto público no grito, na boca do caixa, sem depender do aval legislativo, que nunca virá.
Assim deverá agir o governo, fugindo da emenda que depende das quatro quiméricas vitórias por três quintos dos votos totais e navegando nas tranquilas águas da vitória por maioria -simples ou absoluta-, que nunca lhe faltou.
Mariscar vitórias menores em vez de alcançar o inalcançável pode parecer uma perda de dimensão de um governo que chegou com tantos sonhos.
Mas política é a arte do possível. Bem-vindo ao reino dos mortais, monarca.

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