São Paulo, sexta-feira, 28 de junho de 1996
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Ohhhh 7, Yeaahh 5

JUCA KFOURI

Sim, bem sei que a contagem dos penais resultou num 6 a 5 para os alemães.
Mas cada gol inglês arrancava um "yeaahh" gutural das 75 mil gargantas em Wembley, transformando o santuário num comovente berçário para todas aquelas crianças que ali não tinham vergonha de se manifestar como no dia em que nasceram, ecoando o grito primal.
Os "ohhhh" de decepção a cada gelado gol germânico saíram, pela última vez, pelo Portão Sul, quando Southgate desperdiçou a sexta cobrança inglesa e conheceu a miséria que monstros como Zico, Sócrates, Baresi e Baggio sentiram no fundo de suas almas em jornadas não menos heróicas.
Maravilhoso esporte, esse tal do futebol. Até mesmo um torneio nada entusiasmante e um jogo apenas razoável podem, de repente, transformar-se numa epopéia inesquecível.
Os primeiros dez minutos da prorrogação em Wembley, por exemplo, foram de arrepiar, morte súbita à espreita, o gol de ouro aparecendo e sumindo democraticamente, alternando as metas que rondava.
Mais que taça, aqueles minutos valeram por uma vida.
*
A Eurocopa está salva, todos estamos salvos. Porque o futebol morre um pouco a cada França e República Tcheca e ressuscita glorioso nas mãos do goleiro Koepke, bola mágica que aguça e suaviza o viver.
*
Mas como não pensar na iluminada Praga revivendo seus melhores dias, sol radiante, noite azul-marinho? Como não lembrar da surrealista Ponte Charles, metamorfoseada em fantástica passarela para a alegria de um país tão jovem, apesar da tradição e do sofrimento?
*
Exagero, bem sei novamente, ao afirmar que o futebol tudo redime, que a distância entre a agonia e o êxtase tem misteriosos 11 metros, bem medidos, da marca do pênalti à linha fatal. É o espaço entre a morte de Southgate e a ressurreição de Koepke.
*
Ah, por mais sujas que sejam as mãos que manipulam a paixão pela bola, por desajeitados que sejam os pés que a maltratam, o futebol é imortal porque sempre haverá uma surpresa num gramado como o de Wembley ou num areião brasileiro.
*
Agora, com essa carência toda de gente que saiba jogar na área, faz sentido não levar Romário?

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