São Paulo, sexta-feira, 28 de junho de 1996
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A hora da verdade

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Não podemos nos queixar. A pasmaceira nacional foi sacudida com um crime de morte, aquilo que os repórteres da editoria de polícia costumam chamar de "presunto", aliás, dois de uma só vez, e de grosso calibre.
Como em casos que bem conhecemos, dificilmente será dada uma explicação que agrade ou desagrade a todos. Numa hora dessas ficamos à espera de que os grandes oráculos da pátria se manifestem. Aqui no Rio, um dos oráculos mais respeitados é dona Neuma, da Mangueira. Ela dá palpite sobre tudo e, sem a sua opinião, ficamos perdidos, sem saber o que pensar do mundo, da vida e de nós mesmos.
Infelizmente, pelo menos até o momento em que escrevo a crônica, ninguém se lembrou de indagar o que ela pensa do crime de Maceió. Estamos mergulhados em trevas e em aflição de espírito.
Antigamente, quando ocorriam eventos de impacto, a regra de ouro nas chefias de reportagem era: ouvir o clero. Uma vaca que pariu um peru, um bode que acertou o milhar do bicho, um retirante nordestino que viu J.F. Kennedy com Marilyn Monroe numa fazenda perto de Caruaru -eram dose para a banalidade do dia-a-dia. O jeito era mandar alguém ouvir o clero -isso num tempo em que o clero era discreto e não sofria a exposição que o coloca quase que no mesmo plano de dona Neuma.
Mas dona Neuma é imbatível numa hora dessas. Seus seguidores, discípulos fiéis que ela conquistou ao longo dos anos, fizeram do morro da Mangueira uma nova Delfos. Como em Delfos, dona Neuma não reina sozinha, tem dona Zica que também é sábia no ofício do viver e saber das coisas.
Em geral, no popular "grosso modo", as duas oráculas concordam no essencial, naquilo que os entendidos classificam de parte "substantiva" da coisa. De maneira que, enquanto dona Neuma não se manifestar, eu fico aguardando o momento para emitir conscientemente uma opinião sobre o crime de Maceió.

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