São Paulo, sábado, 29 de junho de 1996
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A macroeconomia do desemprego

JORGE MATTOSO; MARCIO POCHMANN

JORGE MATTOSO e MARCIO POCHMANN
Em artigo publicado nesta Folha (15/6/96) o professor Jorge Jatobá, assessor do Ministério do Trabalho, considerou que as políticas macroeconômicas já não podem favorecer a geração de empregos. Frente a estes "fatores de natureza mais permanente", nada haveria a fazer senão buscar soluções para o desemprego no espaço reduzido do mercado de trabalho.
Em outras palavras, as vítimas sacrificadas no altar da inevitabilidade das políticas macroeconômicas que promovem o desemprego produtivo (capital e trabalho) são, agora, chamadas à responsabilidade de "atenuar os efeitos" desastrosos daquelas políticas. Ao restringir a busca de soluções ao problema do desemprego e da precarização ao mercado de trabalho ou ao que chamou de "microeconomia do emprego", o professor Jatobá absolve o governo de quaisquer responsabilidades com a produção e o emprego nacional, salvo o de "estabelecer as regras do jogo negocial". É como se, de uma penada, amputasse um dos dedos da mão utilizada durante a campanha eleitoral, justamente aquele que assegurava o compromisso do governo FHC com a geração de empregos.
O atual governo e seus assessores mais próximos parecem desconsiderar as experiências internacionais. A recente Conferência do G-7 destinada aos problemas do desemprego concluiu que suas causas encontram-se mais associadas às políticas macroeconômicas que favorecem o clima de crescimento medíocre e patrimonialismo improdutivo, do que à inovação tecnológica, globalização de mercados ou ao mercado de trabalho.
O Brasil, "contrario sensu" dos ufanistas de plantão, mantém-se prisioneiro da estagnação econômica, iniciada nos anos 80, e sem um novo projeto nacional de desenvolvimento. Em um movimento pendular (tipo "stop and go") oscila a produção e emprego (1981-83 recessão; 1984-86 recuperação; 1987-89 estagnação; 1990-92 recessão; 1993-95 recuperação), sem gerar um novo ciclo, agravando as condições do mercado de trabalho e mantendo verdadeiras armadilhas de crescimento. Nos anos 80 a armadilha era: crescer ou gerar saldos na balança comercial para pagar o serviço da dívida externa. Nos anos 90, uma nova armadilha foi criada: crescer ou estabilizar a economia. Assim, a abertura comercial indiscriminada, a valorização do real, as altas taxas de juros e o baixo ritmo de crescimento econômico seriam necessários na estratégia de combater a inflação em um contexto de inserção subordinada e de desestruturação do parque produtivo nacional.
Considerando estas variáveis inquestionáveis e "imexíveis", o professor Jatobá transfere para o "espaço microeconômico" o enfrentamento do desemprego. Aí não serão discutidas as verdadeiras causas do desemprego estrutural e da precarização das condições de trabalho, enfrentados os problemas sistêmicos da competitividade ou buscando um novo projeto nacional de desenvolvimento. Pelo contrário, serão agravadas as já tensas relações entre capital e trabalho através de alternativas já testadas internacionalmente e sem efeitos positivos sobre o emprego: sucessivas ondas de redução do custo do trabalho (já consideravelmente baixo), de "downsizing, decruiting ou reengeneering" no setor privado e público e de criação de contratos temporários que restringem direitos sociais.
O emprego não pode ser reduzido a uma mera questão microeconômica, salvo por aqueles que, abandonando o enfrentamento de um dos principais problemas do Brasil contemporâneo, desejem justificar a desestruturação do parque produtivo e do mercado de trabalho nacionais e a submissão à "haute finance" internacional, como indispensáveis ao alcance da estabilidade monetária.

Jorge Mattoso, 46, é professor do Instituto de Economia, pesquisador e diretor-executivo do Cesit (Centro de Estudos Sindicais de Economia do Trabalho) da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Marcio Pochmann, 33, é professor do Instituto de Economia, pesquisador e diretor-adjunto do Cesit da Unicamp.

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