São Paulo, sábado, 29 de junho de 1996
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Parreira aposta no ouro em Atlanta

ARNALDO RIBEIRO
DA REPORTAGEM LOCAL

O técnico Carlos Alberto Parreira, 53, campeão do mundo pelo Brasil, em 94, nos Estados Unidos, e recentemente contratado pelo São Paulo, aposta que a seleção comandada por Zagallo conseguirá conquistar a medalha de ouro na Olimpíada de Atlanta.
"O Brasil ficou com a prata duas vezes. Acho que chegou a hora do ouro", afirmou.
Segundo Parreira, que está na Inglaterra, observando a Eurocopa, "as condições nunca foram tão favoráveis" ao Brasil.
O novo treinador do São Paulo entende que o grande trunfo de Zagallo -coordenador técnico na Copa de 94- será a ausência de pressão nos Jogos.
"Ele trabalha sem o peso dos 24 anos sem título. A conquista do tetra libertou o futebol brasileiro."
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista exclusiva de Parreira à Folha.
*
Folha - Depois de vencer a Copa de 94 e quebrar um jejum de 24 anos, você acha que o Brasil está preparado para conquistar a inédita medalha de ouro em Atlanta?
Carlos Alberto Parreira - Sim. Acho que as condições nunca foram tão favoráveis ao Brasil.
O planejamento para esta Olimpíada foi muito bom, como na Copa de 94. O Brasil terá até concentração exclusiva em Atlanta.
O técnico (Zagallo) também é bom e experiente. Ele teve todas as condições e quase dois anos para preparar o time. Em outros tempos, eram só 15 dias de preparação.
Além de tudo, Zagallo trabalha sem o peso de 24 anos sem título. O tetra libertou o futebol brasileiro.
Folha - Por falar em tetracampeonato, mesmo após a conquista, você não se tornou uma unanimidade nacional. Por quê?
Parreira - Sei que até hoje tem gente que não ficou satisfeita com a conquista. Ninguém contesta o título na Europa, por exemplo. Sou reverenciado em todas as palestras que dou. Mas falta o reconhecimento dos brasileiros.
Folha - Se pudesse voltar no tempo, você faria algo diferente? Não acha que também ganharia a Copa com um futebol mais ofensivo?
Parreira - Não me arrependo de nada. Copa do Mundo é um torneio curto, onde não pode haver erro. E o Brasil não errou, não correu riscos. Por isso, nunca foi tão fácil ganhar.
Além disso, o Brasil não foi defensivo na Copa. Foi a única seleção a usar dois atacantes fixos e dois laterais apoiadores.
Folha - O que mudou na sua vida após a conquista da Copa?
Parreira - Muita coisa. Todas as portas se abriram, mas, agora, há mais cobrança.
Folha - Mais do que na preparação para a Mundial de 94?
Parreira - Não, nada se compara à cobrança na seleção.
Mas acabei ficando insensível às críticas. Sei do meu valor, tenho total apoio da família e uma certa independência financeira.
Folha - Sem o peso dos 24 anos sem título, Zagallo disse que pôde mudar seu estilo de comandar a seleção. E você? Mudou também?
Parreira - Mantenho o meu lema: trabalho, trabalho e trabalho.
Também não me preocupo em ficar agradando quem quer que seja. Continuo achando que não adianta jogar bonito e perder. A vitória é a essência e o charme do futebol. Trabalho em função dela.
Folha - Você aceitaria um convite para voltar à seleção brasileira?
Parreira - Não penso em voltar. Seleção não passa mais pela minha cabeça. Minhas ambições, agora, se restringem aos clube.
Trabalhei o suficiente na seleção brasileira. Tive duas chances e aproveitei uma.
Na primeira vez, em 83, acho que entrei em uma hora errada. Vinha do futebol árabe e estava pouco atualizado. Hoje, penso que deveria ter recusado o convite.
Folha - Por que você optou por voltar ao Brasil para treinar o São Paulo?
Parreira - Por problemas familiares, preciso passar algum tempo no Brasil. Tinha várias propostas para permanecer na Europa, mas preferi o São Paulo.
Mas a passagem pelo futebol europeu foi muito proveitosa. Acumulei experiência. Não descarto voltar dentro de dois ou três anos.
Folha - Você se considera um estudioso do futebol?
Parreira - Ainda estudo muito. Mas entendo que os preparadores físicos e os médicos devem estudar mais do que os técnicos.
São profissões que evoluem mais rapidamente. Eu já perdi um título por causa da opinião de um médico, que liberou um jogador em um teste de vestiário.
Folha - Como você analisa a evolução tática do futebol?
Parreira - O futebol caminha para a participação total. Os futuros esquemas serão o 4-6-0 (quatro zagueiros, seis meio-campistas e zero atacantes) e o 3-7-0.
Os jogadores terão múltiplas funções, havendo um equilíbrio entre ação ofensiva e defensiva.
Eu procuro armar equipes que sejam organizadas sem a bola e soltas com ela.
Folha - Você acha que será fácil adaptar o jogador brasileiro aos "novos tempos"?
Parreira - O jogador brasileiro melhorou muito em termos de disciplina tática. Aprendeu a importância da marcação, sem ficar mecanizado. Ainda é individualista e ousado. Esta é a nossa diferença em relação aos europeus.
Se tivéssemos a organização deles, o futebol perderia a graça. O Brasil ganharia tudo.
Folha - Você é a favor de mudanças de regras no futebol?
Parreira - Não. O futebol se tornou o esporte mais popular do mundo porque se manteve fiel às regras. Elas são boas. Cabe aos jogadores e ao árbitro cumpri-las. Não precisa aumentar o gol ou diminuir o número de jogadores.
Talvez alguma alteração que combatesse o antijogo funcionasse. Como estabelecer um limite de faltas e punir a equipe ou o jogador que extrapolar este limite.

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