São Paulo, domingo, 30 de junho de 1996
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Maceió mergulha em 'inferno astral'

LUIZ CAVERSAN
ENVIADO ESPECIAL A MACEIÓ

A morte de PC Farias é mais um lance do "inferno astral" em que mergulhou a cidade de Maceió desde que deixou de ser a capital da "República das Alagoas", com o fim da era Collor.
Abandonada pelos colunáveis do sul, com o comércio totalmente estagnado, o turismo em decadência e o salário do funcionalismo atrasado quatro meses, Maceió não lembra nem de longe os tempos de Fernando Collor presidente, quando virou a cidade nordestina da moda.
A cidade continua com o clima ameno e arejado típico desta época do ano. O mar ainda é um dos mais verdes da região. Mas o ânimo das pessoas é dos piores, não só por conta do noticiário sobre o crime.
Atolado em dívidas, o governo do Estado não paga os salários de seus 76 mil servidores desde fevereiro. Aliás, sequer pagou o 13º do ano passado. As greves se sucedem por causa disso.
Sem pagamento dos funcionários, a economia local tem ficado, mensalmente, sem nada menos que R$ 48 milhões. Por isso, ninguém compra nem vende nada. As lojas fazem descontos, promoções e ofertas imperdíveis (até 10 vezes sem juros), mas não adianta.
Um indicativo assustador: a cidade tem perto de 700 mil habitantes e a lista de inadimplentes do Serviço de Proteção ao Crédito chegou a 103 mil. Ou seja, mais de 15% da população deve algum dinheiro.
Um passeio por Maceió não deixa impressão tão ruim quanto os números.
As casas boas predominam, os bairros novos e ricos surgidos ou incrementados ao tempo da "república" são muito atraentes.
Há também "points" bem frequentados, como o bar Divina Gula. Até mesmo a antiga boate Middô (dizem que foi lá que Collor deu o primeiro beijo em Rosane) ainda é cultuada pela burguesia local, assim como o restaurante Gstaad.
Ambos são dirigidos hoje por Jorge Bandeira, que já se deu melhor na vida como piloto e "fantasma" do esquema de PC.
Ícones
O emblema maior da estagnação da cidade está plantado no ponto mais alto. Ao lado da torre da TV Gazeta encontra-se a fantasmagórica estrutura inacabada da sede das Organizações Arnon de Mello.
Collor e seu irmão Pedro brigaram por causa da conclusão do prédio de 12 andares, que iria centralizar os escritórios da empresa.
Enquanto o segundo precisava de dinheiro para terminar a obra, o primeiro apoiava PC na sua intenção de lançar um jornal, que iria justamente concorrer com o diário da família. Pedro decidiu denunciar as relações do irmão com PC e deu no que deu.
Outros dois ícones de tempos antigos e recentes encontram-se quase frente a frente. Distantes 500 metros, na mesma rua, está o que restou da obra do Hospital Geral de Maceió, iniciada quando Collor era presidente e hoje abandonada, e o moderno prédio do jornal de PC, a "Tribuna de Alagoas", que vai para as ruas em breve.
Se o passeio incluir uma passada na frente das casas dos personagens mais ou menos famosos da cidade, aí sim será possível ter uma idéia mais precisa do que foi isso aqui um dia.
As casas de PC são, evidentemente, as mais notáveis. Não só a do triste desfecho de sua vida, mas principalmente a imensa mansão erguida alto de um morro de onde é possível ver toda a cidade.
Ela também é vista de qualquer ponto de Maceió e será sempre uma lembrança de PC, de Collor e de uma república que se foi e dificilmente voltará.
Recuperação
O Estado de Alagoas conseguiu um empréstimo de R$ 160 milhões e todos acreditam que o dinheiro espantará estes tempos bicudos.
Eles, os tempos, não deverão melhorar muito para os miseráveis que vivem em pseudo-habitações ao longo da orla da lagoa de Mandaú, no bairro que leva o sugestivo nome de Brejal.
Mas todos acreditam que a economia tem que reaquecer e tudo passará, assim como PC. Afinal, as repartições estão com telefones cortados, a Justiça não funciona e a Secretaria da Fazenda nada arrecada por causa da greve de seus funcionários.
E a polícia, tão em voga?
Contam por aqui a seguinte história: um soldado da PM foi comprar alimento num supermercado no fim do mês passado. Na hora de pagar a conta, tirou o revólver do coldre, entregou à moça da caixa e disse: "Quando eu receber meu salário eu venho pagar a conta e pegar meu revólver".

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