São Paulo, domingo, 30 de junho de 1996
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Renda cresce 89% e distribuição melhora

GABRIEL J. DE CARVALHO

GABRIEL J. DE CARVALHO; JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO
DA REDAÇÃO

Massa de rendimentos cresceu 25% acima da inflação; população mais pobre ganhou 37,4% a mais

JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO
Nos seus dois primeiros anos, o Plano Real não só aumentou a renda da população ocupada, como a distribuiu melhor. Mas, ao mesmo tempo, cresceu o número de desempregados, dos que não têm rendimento algum ou vivem de "bicos" esporádicos.
Entre julho de 1994 e abril deste ano, a soma dos rendimentos dos que exercem algum tipo de trabalho, incluindo os assalariados, cresceu surpreendentes 89% na Grande São Paulo.
Ficou muito acima do custo de vida, que chegou a 51,36% quando medido pelo IPC da Fipe. Superou o rendimento acumulado da caderneta de poupança (81,80%) e por pouco não bate a rentabilidade líquida das aplicações nos CDBs mais rentáveis (97,50%).
A massa de rendimentos deu um salto 25% maior do que a inflação. O número de pessoas ocupadas aumentou, bem como sua renda média.
Em dinheiro, o total recebido de alguma forma (salários, honorários, diárias de empregadas domésticas etc.) na Região Metropolitana de São Paulo saltou de R$ 2,89 bilhões para R$ 5,48 bilhões.
O rendimento médio do paulistano e dos moradores das cidades vizinhas passou, em 22 meses de Real, de R$ 426,00 para R$ 771,00.
Quem ganhou mais
A distribuição de renda nesse intervalo de tempo beneficiou especialmente os 25% mais pobres da população ocupada.
Essas pessoas, que ganhavam até R$ 250 em abril, foram aquinhoadas com um aumento 37,4% acima da inflação.
Esses resultados, calculados a partir da Pesquisa de Emprego e Desemprego feita pela Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados) e Dieese na Grande São Paulo, foram observados em outras regiões metropolitanas do país.
É o que indica a Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE: a renda média das pessoas ocupadas em seis regiões metropolitanas (São Paulo, Rio, Recife, Belo Horizonte, Salvador e Porto Alegre) cresceu 23,74% acima do custo de vida.
Um trabalho da pesquisadora Sonia Rocha, do Ipea-RJ (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), baseado nos dados do IBGE, vai ao encontro da constatação de que houve redistribuição de renda.
Menos pobres
Segundo ela, 42,24% da população das seis regiões metropolitanas era, na média, composta por pobres em julho de 94. Em janeiro último, a taxa caíra para 28,74%.
Pelas contas de Sonia, o número de pessoas que ultrapassou a linha da pobreza (renda insuficiente para suprir as necessidades básicas de alimentação, moradia, transporte etc) chegou a 5 milhões.
Para Pedro Paulo Martoni Branco, diretor da Seade, e Sinésio Pires Ferreira, analista da mesma fundação, esse crescimento de renda dos mais pobres não pode ser creditado exclusivamente ao fim do "imposto inflacionário". Por aí, outros economistas calculam um ganho de 6% a 8%.
Na opinião de ambos, o aumento do preço dos serviços nos dois últimos anos explica, ao menos em parte, essa redistribuição de renda.
Serviços mais caros
"Foi a empregada diarista que cobrava R$ 10,00 por dia há dois anos e que hoje cobra R$ 40,00", diz Pires, "ou o barbeiro que passou de R$ 10,00 para R$ 25,00 o corte de cabelo", completa Branco.
Esse é um dos aspectos que pode explicar a queda de popularidade do presidente Fernando Henrique Cardoso entre a classe média.
Os economistas da Seade apontam os assalariados de classe média como uma das parcelas da sociedade que pagou a conta do Plano Real.
Em tese, seus rendimentos subiram 10% acima da inflação. Porém, a classe média assalariada é a principal consumidora dos serviços cujos preços mais cresceram nos dois últimos anos: serviços domésticos, aluguel, escola, planos de saúde etc.
Crediário
Sobre o avanço de 89% na massa de rendimentos, Branco arrisca a hipótese de que boa parte disso esteja sendo engolida pelos juros absurdos do crediário.
Pesquisa da Anefac (Associação Nacional dos Executivos em Finanças, Administração e Contabilidade) mostra que, ainda em maio passado, com o juro básico da economia já na faixa de 2%, a taxa média cobrada pelo comércio em São Paulo, Rio e Porto Alegre era de 10% ao mês.
Em um ano, um juro desses equivale a 213,84%. Em 22 meses, a brutais 714%, contra uma inflação de 51,36% (Fipe).
O consumidor se beneficiou, de outro lado, com a perda da receita agrícola (a cesta básica subiu apenas 2,91% até abril de 96) e com o corte drástico das margens de lucro da indústria e do comércio, diante da maior concorrência.
O IPA (Índice de Preços no Atacado) que compõe o IGP da Fundação Getúlio Vargas ficou abaixo de 30% em 22 meses de Real.
O dólar, parâmetro de renda dos exportadores, só agora chega ao ponto de partida do plano, há 24 meses. Com isso, ganharam os consumidores de importados.
Desemprego
Os números da Seade-Dieese mostram, porém, que o problema maior está entre os que não têm renda. A população ocupada ou à procura de emprego (população economicamente ativa) cresceu mais do que a oferta de trabalho entre julho de 94 e maio passado.
Resultado: um saldo de 213 mil desempregados a mais. O mesmo ocorreu em outras capitais.
Essas pessoas não se beneficiam da redistribuição de renda simplesmente porque não têm renda. "Se a economia não crescer 6% ao ano, haverá uma massa de desempregados cada vez maior", prevê o deputado Delfim Netto (PPB-SP).
Para o diretor da Seade, o único jeito de incorporar essa população é uma política compensatória, como programas de renda mínima vinculados à educação. "Ao menos os filhos serão beneficiados", acredita Branco.

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