São Paulo, domingo, 30 de junho de 1996
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O futuro do Real

CELSO PINTO

A estratégia para os próximos dois anos e meio de governo FHC é um cenário que seduz, mas que não está isento de riscos.
No papel, ele passa bem pelos três testes políticos essenciais: as eleições deste ano, a votação do direito de reeleição em 97 e a sucessão presidencial em 98. Na prática, embute riscos.
Neste ano, as eleições deverão coincidir com um momento positivo do ciclo econômico, o da curva ascendente, quando são maiores as chances de ocorrer o que os ingleses chamam de "feel good factor", a sensação de que as coisas estão melhorando. Não porque a economia estará a todo vapor e o problema do desemprego resolvido, mas porque estará longe do fundo do poço e com um horizonte para melhor, não para pior.
Até os números de março, os sinais de recuperação eram algo contraditórios. A partir de abril e dos primeiros números de maio, restam poucas dúvidas de que a trajetória é de recuperação gradual.
O pontapé inicial veio do setor de bens de consumo duráveis, auxiliado pela gradual liberalização do crédito pelo Banco Central desde o final do ano passado. Outros setores se uniram e até o emprego industrial começou a esboçar alguma reação positiva.
A restauração do crédito é uma arma poderosa de expansão, num país com baixíssimos índices de endividamento das famílias e das empresas. No entanto, alguns fatores tendem a frear a euforia: a expansão lenta do emprego, a desaceleração nos ganhos reais e o alto grau de inadimplência.
Ainda assim, é preciso lembrar que o nível de emprego global no Brasil continuou a subir no ano passado (2%), graças ao setor de serviços, e a despeito do desemprego industrial (-5%). Os empregos são de pior qualidade, concentrados no setor informal, pagam menos, e isso afeta a massa de rendimentos. De outro lado, contudo, o fato de a inflação neste ano ser menor do que a do ano passado fará com que reajustes nominais de salários baseados na inflação passada gerem algum ganho real.
Tudo somado, a projeção de vários consultores é que a massa de rendimentos reais continuará a crescer, ainda que de forma mais modesta. A LCA Consultores, por exemplo, projeta um ganho de 6,3% na massa de rendimentos reais neste ano e um aumento de 2,1% no emprego geral, medido pelo IBGE.
É um cenário compatível com alguma recuperação, ajudada pelo crédito, mas sem euforias. Outros fatores de demanda também não indicam um "boom". Os investimentos diretos externos são recordes, mas boa parte está indo para compra de ativos já existentes, empresas brasileiras a preços muito baixos, mais do que para iniciar novas fábricas. O déficit do governo continuará sendo um fator expansionista, mas em menor escala do que no ano passado.
A projeção de que a economia estará correndo a taxas anualizadas de 4 a 5% no último trimestre é compatível com uma projeção de crescimento de 2 a 3% no ano, já que o crescimento do primeiro semestre ficará em torno de zero. A partir daí, aumentam as incertezas.
A intenção do governo é combinar um crescimento de 4 a 5% em 97 e 98, com uma inflação em forte queda (seria de 3,6% em 98), graças à contenção do câmbio. A dúvida é saber o que acontecerá com as contas externas. O BC vinha projetando um déficit comercial não superior a US$ 500 milhões neste ano e um déficit em conta corrente não maior do que US$ 19 bilhões. O objetivo oficial é evitar que o buraco externo supere 3% do PIB.
E se a balança, como parece provável, for bem pior, e o buraco externo maior?
Como desvalorizar o câmbio seria "rasgar o Plano Real", na expressão do Secretário de Política Econômica da Fazenda, José Roberto Mendonça de Barros, restariam duas alternativas: ou segurar a economia com juros altos (já que o governo não prevê grandes avanços na área fiscal), ou aceitar um déficit maior financiando o máximo possível com investimentos diretos (ajudados pela privatização).
Segurar a economia não rima com eleição presidencial. Financiar um buraco externo maior que 3% do PIB pode funcionar, se a expectativa externa continuar favorável. Se mudar, o risco é o de enfrentar uma crise de confiança dos investidores muito perto da sucessão de 98.

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