São Paulo, domingo, 30 de junho de 1996
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Governo Covas desafia até FHC a fazer mais

HUGO MARQUES DA ROSA
DA REDAÇÃO

Um ano e meio após a posse, secretários de infra-estrutura de SP rebatem críticas de que Estado está parado
Acusado sistematicamente de inação, seja em termo de obras, seja no avanço do processo de desestatização, o governo Mário Covas chega ao seu primeiro ano e meio com um desafio forte: "Vamos ver quem faz mais no fim do governo, em qualquer outro governo, inclusive o federal", diz Plínio Assmann, secretário dos Transportes.
O desafio foi lançado como resposta a uma das incontáveis ironias feitas sobre a administração paulista, a de que, enquanto no Rio de Janeiro são adotadas privatizações, em São Paulo são feitas teses de doutorado sobre como é o modelo de privatização.
Mas é também uma resposta à sensação de que o governo está paralisado em termos de obras.
Para fazer um balanço dos primeiros 18 meses do governo, a Folha reuniu em seu auditório um grupo de secretários estaduais, a começar pelos quatro responsáveis pela área de infra-estrutura. Além de Assmann, estiveram presentes Cláudio de Senna Frederico (Transportes Metropolitanos), David Zylbersztajn (Energia) e Hugo Marques da Rosa (Recursos Hídricos, Saneamento e Obras).
Leia abaixo um resumo desse primeiro debate:
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Folha - A sensação que se tem é que o governo Covas, em 18 meses, não acrescentou um centímetro quadrado de infra-estrutura ao Estado de São Paulo.
Cláudio Senna Frederico - Na área de Transportes Metropolitanos, não se acrescentou nenhum centímetro. Faz quatro ou cinco anos que não se acrescenta nada. Porque está esgotado o modelo de crescimento (de infra-estrutura) que consistia em investir o recurso público diretamente na obra. A grande tarefa foi estruturar soluções que pudessem deflagrar novos investimentos envolvendo novas fontes de recursos.
Plínio Assmann - O governo Covas já concluiu ou está concluindo 1.200 quilômetros de pavimentação, repavimentação e manutenção de estradas vicinais numa malha de 8.000 quilômetros.
É um processo novo, que consiste em parceria entre o DER (Departamento de Estradas de Rodagem, autarquia estadual) e as prefeituras. A secretaria também tem sob sua responsabilidade a operação de aeroportos regionais. A demanda por passageiros cresceu 70%, neste último ano, e a de carga mais que duplicou.
O Daesp (departamento responsável pelos aeroportos) prepara o aeroporto de Ribeirão Preto, além de outros, para dar condições de pista e pátio de estacionamento de aeronaves semelhantes às de Congonhas. A partir daí, o aeroporto de Ribeirão poderá ser internacional. O porto de São Sebastião também duplicou a sua produção.
Na Fepasa e na Dersa não se acrescentou um milímetro de infra-estrutura.
David Zylbersztajn - Quando assumimos, havia falta absoluta de informação. No dia em que eu ia para a transmissão de posse, às 15h, tocou o celular dizendo que havia um vencimento de debêntures de R$ 90 milhões, que tinham de ser pagos até as 16h30. Herdamos o setor com uma dívida vencida e não paga, ou seja, calote, de R$ 3,4 bilhões e com absoluta incapacidade de pagamento. À época, nós não tínhamos nenhuma condição operacional, quanto mais de investimento.
A Cesp, que é uma empresa essencialmente geradora e faz o grande investimento em infra-estrutura, hoje tem um serviço da dívida (cujo valor total é da ordem de R$ 12 bilhões) exatamente igual ao seu faturamento anual.
Começamos também um ajuste profundo nas empresas. Hoje nós temos 17 mil funcionários a menos do que tínhamos em 1994.
Sobre investimento, a Eletropaulo, até dezembro, está colocando R$ 500 milhões em melhoria da qualidade da rede, o que significa dizer que no ano que vem nós vamos ter um serviço muito melhor do que o que tivemos até hoje.

O mais importante é definir um modelo de saneamento para o Estado de São Paulo. A Sabesp é a maior empresa individual de saneamento do mundo. Toda empresa que tem problema de gigantismo tem problema de ineficiência. Então queremos regionalizar a Sabesp, criar unidades de negócios, que, a partir do início do ano que vem, passem a se transformar em empresas regionais de saneamento.
A tendência é a Sabesp ficar como uma holding com o controle das suas unidades de negócios e cada unidade vai ser autônoma.
Mas, embora a preocupação central seja a definição do modelo, nem por isso estamos deixando de fazer investimentos.
Temos, por exemplo, o projeto Tietê, do qual havia sido feita muita publicidade e, nos primeiros 13 meses de governo, já havíamos investido mais em obras físicas do que a administração anterior toda.
Um segundo programa importante é o Programa de Abastecimento de Água da Região Metropolitana para acabar com os rodízios. Esse programa consolidado indica um investimento de R$ 700 milhões, que será feito também até 1998. Até lá, São Paulo sairá completamente do rodízio.
Outra vertente também importante é a questão das enchentes na região metropolitana de São Paulo. Pela primeira vez na história de São Paulo está se preparando um Plano Diretor de Macrodrenagem para a Região Metropolitana, para acabar com as enchentes.
Folha - Como os senhores explicam o fato de ter havido recursos para vicinais e não ter havido para o metrô, quando é visível a iminência de um colapso da cidade?
Mas não se consegue operar mais de dois terços da frota de 300 trens
Cláudio Senna Frederico
Assmann - Os recursos envolvidos para esses 1.200 quilômetros de vicinais são incrivelmente diferentes dos recursos para o metrô. Nós perdemos praticamente duas estradas nas últimas chuvas, a Osvaldo Cruz (Taubaté-Ubatuba) e a Tamoio. Essas obras têm que ser tratadas emergencialmente.
Senna Frederico - Os recursos que o BNDES e o Estado vão investir na conclusão das obras do metrô somam mais de US$ 800 milhões. É uma quantia bem superior ao investimento no outro caso. Além disso, o Banco Mundial e o Interamericano não financiam normalmente obras paradas.
Folha - Do ponto de vista do governo do Estado, supõe-se que o metrô seja prioridade absoluta.
Senna Frederico - Você está falando sobre uma cidade que tem em torno de 21 milhões de viagens-dia, com um pouco mais de transporte público (11 milhões) e 10 milhões de carro particular.
Desses 11 milhões, mais ou menos uns 3,5 milhões são sobre trilhos (metrô mais ferrovia) e uns 7,5 milhões, em ônibus. Você necessita, portanto, de um conjunto de investimentos no metrô, na ferrovia, em corredores de ônibus.
A nossa intenção é enfrentar o problema com o Programa Integrado de Transportes Urbanos. O transporte coletivo sobre trilhos é uma tentativa de retirar os ônibus do centro da cidade e reduzir os congestionamentos.
Em termos de metrô, estamos retomando a extensão da linha Norte-Sul, o trecho leste de extensão da Leste-Oeste e o trecho oeste, da Vila Madalena. São obras que somam 11,5 quilômetros à rede de 44 quilômetros.
Na área de trens metropolitanos, não há necessidade de mais linha. São 270 quilômetros. Mas não se consegue operar mais de dois terços da frota de 300 trens. O problema é a recuperação da capacidade. Há 30 trens novos sendo comprados e 43 em recuperação.
O objetivo de curto prazo (cinco anos) é passar de 2,5 milhões ou 3 milhões de passageiros por dia a 6 ou 7 milhões sobre trilhos.
Folha - O secretário Hugo Marques da Rosa falou do Plano de Macrodrenagem. O sr. não acha que está um pouco atrasado? Estamos a seis meses do reinício da estação das chuvas, e o plano ainda não saiu da fase do planejamento.
Marques da Rosa - O Plano de Macrodrenagem da bacia do Alto Tietê, ou seja, praticamente toda a região metropolitana, abrange 5.600 km2. A expectativa é fazer esse plano em um ano e meio.
Folha - Vocês receberam muitas dívidas. O que foi feito para punir os antigos administradores?
David - Pelo lado da gestão temerária (fazer investimentos desnecessários, não-pagamento etc.), é muito difícil punir alguém, porque formalmente todos os procedimentos são corretos. Mas, se há indícios de crime, aí nós temos uma série de sindicâncias realizadas. A maioria está encaminhada ao Ministério Público.
Folha - Há uma lenda ou realidade de que o governador Mário Covas não é um fanático da privatização. Os secretários aqui presentes também dão uma idéia de que não são assim lá tão fanáticos...
David - Primeiro, em relação à questão da lentidão. Em termos de escala, esse é o processo mais rápido do mundo. A Inglaterra demorou de cinco a seis anos. A Argentina, que tinha um setor sucateado, quatro anos, enquanto, aqui em São Paulo, em um ano nós desenvolvemos o modelo.
Quanto à competição, quando você privatiza uma empresa que atua no setor competitivo, como a indústria siderúrgica, não há preocupação de tarifa, qualidade de serviço etc., porque o próprio mercado pode regular. Quando você vai para serviços explorados em caráter de monopólio, como é a energia elétrica, pode haver competição na produção, mas na distribuição não.
Marques da Rosa - Se o governador não tivesse vontade, não teria começado o processo. Há a vontade do governador, mas não no sentido de que a privatização seja a solução para todas as mazelas do Estado. O setor privado é mais eficiente que o público, mas essa quebradeira de bancos privados demonstra que a má gestão não existe só do lado do setor público.
Folha - Já se diz, por exemplo, que enquanto o Rio de Janeiro faz privatização São Paulo faz teses de doutorado sobre como é o modelo de privatização...
David - O patamar é outro. O Rio, na melhor das hipóteses, deve ter R$ 2,5 bilhões a R$ 3 bilhões de ativos. Em São Paulo, isso pode chegar a R$ 30 bilhões ou R$ 35 bilhões.
Assmann - Vamos ver quem faz mais no fim do governo, em qualquer outro governo, inclusive o federal.

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