São Paulo, domingo, 30 de junho de 1996
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O aluguel baixou mesmo?

ROBERTO CAPUANO

Um caçador viu um pato e atirou. Errou por meio metro à esquerda. Atirou de novo e errou por meio metro à direita. Na média, matou o pato, que saiu voando.
O fato é parecido com a informação de que os aluguéis baixaram "em média". Informação equivocada, que induz nossas autoridades a acreditarem que as coisas nessa área estão indo bem.
Também é duvidoso afirmar que a oferta de locação cresceu.
A somatória dos despejos por falta de pagamento e da oferta existente pode ser interpretada -com óculos de lentes cor-de-rosa- como crescimento de oferta. Mas cresceu na mesma proporção que o número de despejados.
Seria mais correto anunciar que o aluguel parou de subir depois de 200% de alta após o Plano Real.
Como se sabe, antes até da invenção da moeda, já existia uma lei que nem o pior tirano conseguiu revogar: a da oferta e da procura.
Os imóveis baratos são os mais procurados, por razões óbvias: baixo poder aquisitivo, um país com muitos jovens em começo de vida e a indiferença das autoridades para com o problema habitacional das faixas de baixa renda.
E também uma cumplicidade entre agentes financeiros e construtores, que priorizam a produção de imóveis de "classe média", com preços a partir de R$ 100 mil.
Assim, existe uma fantástica demanda para uma pequena oferta, que faz com que o aluguel de um imóvel popular atinja 1,7% de seu valor de venda. Nessa faixa, não existe crescimento de oferta, e nem "os aluguéis baixaram".
Quando existe alguma oferta, se deve ao alto preço que o proprietário pede para alugar o imóvel.
Os donos de imóveis mais luxuosos tiveram raciocínio aparentemente lógico. Se uma casinha na Vila Nhocunhé vale R$ 300, meu apartamento nos Jardins de R$ 300 mil vale R$ 5.000 de aluguel.
Só que, nessa faixa, a demanda é mínima e a média histórica do aluguel não passa de 0,6% sobre o valor de venda, ou seja, R$ 1.800.
Depois de alguns meses de tentativas, esse proprietário "baixa o preço" para R$ 3.000. Uma redução de 40% que vai influir na média da "baixa" dos aluguéis.
Pouco importa que nas faixas populares o preço não tenha baixado. E menos ainda que o proprietário continue pedindo quase o dobro do que vale seu imóvel. O que vale é a estatística.
Bom senso não é privilégio de ninguém. Se não há crédito, se não há produto, se não há novas construções com fins locatícios, se ninguém está comprando para alugar, de onde surgiu magicamente o aumento de oferta de imóveis de locação? E por que os aluguéis populares baixariam de preço?
Pesquisa do Creci-SP feita junto a 350 imobiliárias registra, entre outras coisas, que imobiliárias de periferia já colocam guardas para vigiar imóveis vagos, que famílias se associam para alugar uma casa e que a classe média está desalojando o consumidor tradicional de imóveis populares, porque já não pode pagar valores maiores.
Se os aluguéis baixaram e a oferta aumentou, por que acontece isso? Porque há fartura de oferta, sim, em imóveis de luxo e aluguéis "baixos" também nessa faixa.

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