São Paulo, domingo, 30 de junho de 1996
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A Aids está dançando?

GILBERTO DIMENSTEIN

Ao cantar domingo passado no Central Park, em Nova York, Caetano Veloso colocou na platéia uma extraordinária atração científica; ninguém deve ter percebido.
Vi um indivíduo que, naquele momento, deveria estar esquálido, doente, provavelmente preso na cama, talvez até morto -mas, alegre, dançava, ao som de Caetano, acompanhado ao piano pelo músico japonês Ryuichi Sakamoto.
Portador do vírus da Aids, ele perdeu nos últimos meses o perfil cadavérico, ganhou peso e vitalidade, exibindo o que se transformou na maior atração científica do ano.
Em setembro do ano passado, iniciei levantamento de dados sobre como viviam os brasileiros portadores do HIV em Nova York. Alguns deles, diziam, tinham pouco tempo de vida. Inclusive o animado fã de Caetano no Central Park.
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Não é um caso isolado, todas as pesquisas apontam para o mesmo resultado. Cerca de 90% dos aidéticos acompanhados pela Universidade de Nova York exibiram notáveis melhoras.
"É impressionante, parece que eles renascem", atesta Wagner Denuzzo, assistente social do Hospital Saint Vicent, que cuida de imigrantes ilegais com HIV.
Graças às novas descobertas, Nova York, cidade onde os homossexuais são tão importantes como judeus e católicos, está testemunhando nas ruas o que, até pouco atrás, só testemunhava em milagre.
Os novos remédios, aprovados em janeiro deste ano, limpam o sangue e deixam o HIV não-detectável.
Não se sabe até quando o vírus permanece neutralizado, mas com a combinação podem inocular o otimismo de que estão raspando na cura da Aids.
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Até agora, convivíamos com a visão catastrófica de que, nos próximos três anos, mais 14 milhões teriam o vírus da Aids, segundo previsão da Organização Mundial de Saúde.
Das sete milhões que já contraíram, 4,5 milhões morreram.
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Raras cidades vivem o pânico da Aids como Nova York, onde até lutador de boxe é proibido de trabalhar se não fizer exame de sangue.
Na faixa de 22 anos a 40 anos, nada mata mais que Aids; cresce cada vez mais entre os heterossexuais.
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O problema é que os novos remédios ainda são muito caros, especialmente aos países pobres.
O tratamento exige que o paciente tome 20 pílulas por dia, ao preço de, no mínimo, R$ 1,2 mil mensais, metade do salário de um professor universitário brasileiro.
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Ao completar dois anos, o Plano Real inoculou a sensação nos brasileiros de que o vírus da inflação não é imbatível -e mostrou não o êxito de um governo, mas do processo democrático.
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Até pouquíssimo tempo, o presidente era Collor, a ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello; o empresário PC Farias reinava.
Militares falavam em golpe, ninguém confiava no Brasil no exterior, inflação misturava-se com recessão, imaginava-se que Lula seria "inexoravelmente" o próximo presidente.
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O Brasil ainda está muito ruim, com seus vergonhosos indicadores sociais. Se FHC tivesse apostado cada um de seus cinco dedos na campanha, seria o primeiro presidente-gancho.
Mas, nos meus 40 anos de idade, nunca vivenciei ao mesmo tempo estabilidade política, democracia, inflação baixa e crescimento econômico; só uma mula-sem-cabeça não percebe que a combinação desses quatro fatores é um passo inicial a um salto de cidadania.
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O Plano Real, até aqui, está desmoralizando as previsões catastróficas.
Basta fazer uma pesquisa pela imprensa nos últimos dois anos: diziam que seríamos o México, as reservas internacionais iriam sumir, a inflação ia logo voltar, a recessão se alastraria pelo país, o trabalhador sairia perdendo.
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O que vejo aqui de Nova York é cada vez mais empresários dispostos a investir no Brasil.
Também vejo empresários brasileiros se adaptando, com heroísmo, aos novos tempos.
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O Brasil nem é a paisagem amena que tenta vender o governo e seus aliados -nem, muito menos, a ruína prevista por seus adversários, economistas inconformados com o sucesso de outros economistas ou empresários irritados porque perderam mamatas ou são obrigados a competir.
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Recebo cartas através de correio eletrônico de professores dizendo ser difícil atrair empresários para financiar parte dos gastos de universidades.
Se formos depositar em nossas incompetências passadas o futuro do país nem vamos ter democracia nem distribuição de renda.
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Fui testemunha. Os principais jornais brasileiros, inclusive a Folha, propuseram à Universidade de Brasília ajudar o jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação de Brasília -na época, o reitor era Cristovam Buarque, que se entusiasmou com a oferta.
A faculdade de jornalismo nem deu retorno, soube depois que recusou sob argumento que os "barões da imprensa" iriam dominar o jornal.
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Como está fazendo a PUC, a USP deveria mobilizar seus ex-alunos para levantar fundos. Podiam começar com três que ocupam os três cargos mais importantes do país: FHC, Mário Covas e Paulo Maluf.
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PS - A Politécnica ajudou, e muito, o desenvolvimento da indústria paulista. Por que a indústria paulista não pode pagar de volta uma infinitésima parte dessa contribuição?

E-mail GDimen@aol.com
Fax (001-212) 873-1045

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