São Paulo, domingo, 30 de junho de 1996
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Liberdade cerceada

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

A pesquisa da Folha publicada em 23/6/96 revela que dois terços dos paulistanos têm medo de serem mortos nas ruas de São Paulo. Vejam a que ponto chegamos! E não é para menos. Nos primeiros quatro meses do ano foram registrados mais de 1.800 assassinatos, o que representa um aumento de quase 6% em relação a 1995.
São números chocantes. Está difícil conviver com tantas intranquilidade. De nada adianta garantir belas liberdades na Constituição e na Lei de Imprensa quando os cidadãos não têm liberdade de viver em paz. Cerca de 45% dos paulistanos já foram assaltados nas ruas de São Paulo! Isso constitui um custo alto para todos os brasileiros.
A criminalidade tem custos que vão muito além das despesas com polícia e justiça. Na verdade, essas são as menores.
As mais pesadas são as despesas indiretas, também chamadas de "custos intangíveis", que incluem a sensação de insegurança, o medo de sair às ruas, as perdas das vítimas, o comprometimento da saúde, o trauma psicológico, a dor, o sofrimento, os descontos dos dias parados, os prêmios de seguro, os tratamentos prolongados e vários outros.
Quando se leva tudo isso em conta, o custo total da criminalidade sobe às nuvens. Um estudo realizado pelo Instituto Nacional de Justiça dos Estados Unidos concluiu que, para a sociedade americana, esse custo chega a US$ 490 bilhões por ano! É uma cifra estratosférica (Fox Butterfield, "Victim costs and consequences: a new look", "New York Times", 23/4/96).
Se, por um lado, o crime é exageradamente caro para a sociedade, de outro é ilusório querer trazer a taxa de criminalidade para zero. Isso "quebra" os cofres públicos.
Nada justifica, porém, manter-se o pavor que hoje grassa na cidade e no campo de todo o Brasil. A inércia governamental nessa área está provocando prejuízos enormes, a maioria dos quais não-computados pela aritmética comum.
Os custos da criminalidade em nosso país ficarão ainda maiores se neles incluirmos o crime do colarinho branco. Nos Estados Unidos, esse tipo de crime pesa 28% do total, o que alavanca o custo final da criminalidade para US$ 700 bilhões (12% do PIB).
Lembremos que lá os desfalques bancários são raros e pequenos, quando comparados aos nossos. Os assaltos à Previdência Social são pouco frequentes. A pilhagem nas comissões de orçamentos é desconhecida. E a sonegação fiscal é estimada em apenas 8%.
Entre nós, os bancos quebram por manobras dos próprios donos; a Previdência Social é assaltada a céu aberto; o orçamento da República é tungado pelos seus pretensos guardiões; e a sonegação ultrapassa 50%.
É bem provável que o custo total da criminalidade tropicalizada em nossas paragens chegue a uns 15% do PIB. Estamos falando de US$ 90 bilhões -bem distantes dos US$ 490 bilhões dos Estados Unidos-, mas suficientemente grandes para manter muitas escolas, hospitais e presídios.
Está na hora de resgatarmos as liberdades de quem deseja criar seus filhos em paz e valorizando o trabalho.

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