São Paulo, domingo, 30 de junho de 1996
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Alerta geral

CAIO TÚLIO COSTA

A Internet é um meio caótico, enganoso e de regulamentação difícil
Tenta-se censurar a Internet, a maior interligação de computadores do mundo, a pretexto de impedir divulgação de material obsceno.
A ação mais organizada acontece nos Estados Unidos, onde o governo pretende fazer valer uma lei de "decência" nas comunicações.
Posto isso, faz duas semanas que três juízes federais de Filadélfia (Dolores Korman Sloviter, Stewart Dalzell e Ronald L. Buckwalter) tomaram, unânimes, a decisão histórica: a Internet é um meio caótico, enganoso e de regulamentação difícil. No mínimo, decidiram, ela deve ter garantida a liberdade de expressão da mesma maneira que se garante liberdade de expressão à imprensa, como manda a Primeira Emenda da Constituição americana.
Palavra final: cabe aos pais proteger os filhos contra, por exemplo, a pornografia. Com direito a definições conceituais: "A Internet pode ser vista como uma conversação sem fim em escala mundial".
Os governos, impressionados com a liberdade de comunicação que a Internet permite, porque é acessível a qualquer um que tenha telefone e computador, querem logo botar a mão na criança nascente para regular, inspecionar, dirigir, legislar, regulamentar, controlar, registrar, recensear, tarifar, medir, fazer tudo aquilo que os governos precisam fazer para dar sentido à sua própria existência. Aquilo que acaba por confundir o verbo governar com o verbo restringir.
A Internet, com os seus ditos 50 milhões de usuários planetários (número do qual desconfio porque se deve desconfiar sempre de cifras mirabolantes), democratiza a comunicação e se sobrepõe a qualquer barreira. Até Cuba, o velho bastião ditatorial, terá de se dobrar frente a esta rede impertinente, em que tudo cabe. Por ser democrática demais, permeável tanto aos grandes quanto aos pequenos grupos de comunicação e até aos comunicadores individuais, permite tudo, qualquer coisa, qualquer mensagem, séria, mentirosa ou absurda.
Dos três juízes norte-americanos veio o sinal liberador, como poderia ter vindo sinal contrário -nada mais pertinente do que o velho ditado: de bumbum de bebê e de cabeça de juiz, espera-se tudo.
É muito difícil para a justiça andar na vanguarda da sociedade. Nem se quer, aqui, chamar a decisão da corte americana em respaldo a necessidades liberadoras. Nem juízes são necessários para saber o que é liberdade. Porque é corte federal americana e, só por isso, a decisão ganha relevância mundial.
No caso, os três juízes consideraram inconstitucional o Communications Decency Act, a lei aprovada pelo congresso americano em fevereiro passado, que previa multa de US$ 250 mil e dois anos de prisão para quem divulgasse material considerado indecente.
As autoridades reguladoras, encasteladas nos centros executivos de poder, não se conformam com tanta liberalidade e tentam castrar o turbilhão de informação nascente e constante. Por isso nem o Executivo americano nem os governos -qualquer governo- irão ajustar-se a essa decisão histórica da Justiça.
Se hoje o pretexto é a decência, amanhã será outro e assim por diante. Os amantes da liberdade nada perdem em estar alerta.

E-mail: caio@uol.com.br
Ilustração: Keith Haring, sem título, 1984.

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