São Paulo, segunda-feira, 1 de julho de 1996
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Demonstrar é vender

HELCIO EMERICH

Tenho certa admiração por aqueles comerciais de TV que no Brasil são genericamente chamados de "telemarketing", e que vendem por telefone desde frigideiras chinesas até caros equipamentos de som.
Não que devam ser tomados como modelos de talento ou criatividade. Ao contrário: não há nada de excitante em aguentar um boquirroto discorrendo sobre os "atributos" de um fatiador de legumes, sem nenhuma idéia inteligente por trás.
É que muitas das campanhas hoje veiculadas na televisão parecem orientadas apenas para "construir um conceito" ou "posicionar o produto", e esse objetivo acaba resultando em dizer ao consumidor muito mais o que o anunciante pensa de si mesmo e do seu produto do que o que ambos podem fazer pelo consumidor.
No dia-a-dia de uma agência de propaganda, não é raro ouvir que determinado produto "não tem nada a dizer". A tendência, no caso, é tentar substituir os valores técnicos, estéticos ou funcionais do produto, considerados irrelevantes, por apelos emocionais ou tiradas de humor, que podem arrancar suspiros ou sorrisos do telespectador, mas que não o levam à ação de compra.
Impressiona-me, por exemplo, a torrente de argumentos encontrada para vender um produto trivial como as facas Ginsu, mostradas em dezenas de utilizações diferentes, solucionando pequenos e aborrecidos problemas, que fazem parte do cotidiano da dona-de-casa.
Em contrapartida, há comerciais de produtos com avançadas conquistas tecnológicas, que se limitam a passar um único "conceitão" ou só o slogan da marca. Muitas vezes, nem conceito há: são frases grandiloquentes, de adjetivação rebuscada, sem nenhuma promessa ou benefício para o consumidor.
A discussão é antiga e não se trata de defender a propaganda toscamente elaborada, como a que se vê nos "shopping shows".
Há alguns anos, nos EUA, a GE quis provar que a dona-de-casa não precisava passar uma primeira água nos pratos antes de colocá-los na máquina de lavar louças.
Um comercial demonstrava que até um bolo inteiro de chocolate poderia ser jogado no aparelho junto com os pratos, pois esses sairiam limpos e brilhantes.
Uma das campanhas do automóvel japonês Lexus para o mercado americano pretendia enfatizar a estabilidade do carro. O comercial mostrava uma pirâmide de cálices de vinho sendo montada sobre a capota, enquanto um dinamômetro simulava que o carro estava a 100 km/h.
Para provar que o seu sapato social (Rockport) era mais leve, durável e absorvia melhor os choques, a Easy Espirit veiculou um filme com um atleta correndo toda a maratona de Nova York calçado com o produto.
O molho de tomate Prego, da Campbell, em vez de mostrar a surrada cena da família à mesa com a mamãe orgulhosa servindo o macarrão fumegante, botou no ar uma campanha de milhões de dólares para provar um único ponto: o Prego era mais espesso e ainda assim penetrava melhor no espaguete do que o seu concorrente Ragú, da Unilever.
A Prego aumentou sua participação de 20% para 26%, enquanto a Ragú teve sua fatia encolhida de 50% para 32,6%. Na propaganda de TV a demonstração (ativa) ainda é o nome do jogo.

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