São Paulo, segunda-feira, 1 de julho de 1996
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Vendilhões

DARCY RIBEIRO

Além de todas as empresas públicas que já leiloaram a preço vil, como verdadeiras doações a seus compradores, os fanáticos da privatização querem mais. São insaciáveis. Querem agora leiloar a Petrobrás, a Vale do Rio Doce e o Banco do Brasil.
Por que não o Itamaraty? E a Aeronáutica, com tantos aviões obsoletos, incapazes de enfrentar uma guerra? A Marinha seria alto negócio para o comprador, com seus navios e submarinos sucatáveis, que dariam milhões de toneladas de ferro velho, e seus imensos estaleiros inativos, que poderiam ser facilmente postos em serviço?
O Palácio da Alvorada e o Palácio do Supremo Tribunal Federal, jóias da arquitetura brasileira, luxo exibicionista de JK, podiam também ser vendidos como residência dos gerentes das multinacionais. Afinal, eles são o setor predominante da classe dominante brasileira e, como nossa verdadeira elite, merecem morar melhor. A própria bandeira nacional renderia dinheiro para servir de imagem propagandística da Coca-Cola ou da pinga 51. Desde que se retificasse a frase de Augusto Comte, que nela entrou decepada, seria vendável: Amor, Ordem e Progresso.
Esses tecnocratas de cabeça feita lá fora não têm memória histórica nem pátria. São como os banqueiros, para eles tudo é negociável. Partem do princípio asnático de que somos parte de um Colosso Global e que a ele temos de nos avassalar. Crêem que só ganharemos nos entregando ao mercado mundial. Nenhuma nação tem, para eles, interesses próprios a defender, investimentos estratégicos a preservar. Todas as nações avançadas são umas tias boazinhas, que só querem ajudar os sobrinhos pobres e atrasados a florescer. Com uma condição, a de que se ponham sob seu mando porque seus interesses internacionalizados são nossos interesses.
Nenhuma nação, sejam as antigas, sejam as nascentes, visível por seu vulto e por suas potencialidades enveredou por esse caminho do entreguismo. Todas têm interesse próprio, que defendem e protegem agressivamente. Basta lembrar os episódios de chantagem e pirataria que sofremos dos norte-americanos quando eles sentiram ou supuseram que seus interesses estavam sendo prejudicados: a safra de laranja apodreceu nos pés. Milhões de sapatos encomendados ficaram sem pés. Nenhuma nação séria crê em amizade internacional, muito menos em caridade. Nessa arena só há interesses.
É muito grave que as diretrizes de expansão da economia brasileira sejam entregues a esses tecnocratas bisonhos. Se a mágica deles não der certo, o que certamente acontecerá, nós nos veremos nus na praça, despossuídos das empresas que formam o esqueleto da economia brasileira. Desmoralizados, os homens públicos que as criaram e regeram, obtendo através delas imensas vantagens econômicas para o Brasil e uma lucratividade que nenhuma empresa estrangeira do mesmo ramo alcançou aqui.
Cuidado, Fernando, economia não é ciência. Só a economia política podia pretendê-lo, mas esta se rege a mando da defesa dos interesses nacionais e populares, ao contrário do neoliberalismo furioso que está sentado no poder, alucinadamente disposto a atender a interesses de grupos de corporações e de classes privilegiadas. Confiar em que a dação que eles presidem, de bens que eles não criaram e nem seriam capazes de criar, nos levaria à prosperidade é esperança vã.
Levante a voz, Fernando, e passe um pito geral e ecumênico, mandando essa gurizada passear. O Brasil todo aplaudiria.

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