São Paulo, terça-feira, 2 de julho de 1996
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Equipe de Covas critica juros da gestão FHC

DA REDAÇÃO

Afetado pela política de juros altos, que prejudica a tentativa de ajuste das finanças estaduais, o governo paulista critica a política econômica federal com termos que parecem os utilizados por partidos oposicionistas.
"Nos botamos o câmbio no lugar errado e jogamos o preço de um fator que é fundamental para a reestruturação, que é o custo do crédito, na lua", queixa-se Yoshiaki Nakano, secretário da Fazenda de Mário Covas.
O lamento de Nakano surgiu de sua análise sobre o que é necessário fazer para adaptar o Estado e o país ao processo de globalização.
Mas não deixa de ser também um reflexo do efeito dos juros altos sobre as finanças do Estado.
O secretário da Fazenda e os de Governo e Gestão Estratégica, Antonio Angarita, e de Ciência e Tecnologia, Emerson Kapaz, compuseram a última das três mesas em que se debateu o governo Covas.
*
Folha - A impressão que se tem do governo Covas é de um governo monotemático. Só Banespa.
Yoshiaki Nakano - A imprensa tem sido mais monotemática que o governo. Não fala que conseguimos reduzir o déficit em 15 pontos percentuais. Aumentamos a receita corrente em 27% em termos reais em 95 sobre 94. A despesa global aumentou 2%, fundamentalmente pelo aumento da folha de pessoal, quase todo ele devido a aumentos concedidos por Fleury.
Folha - Qual foi a redução de pessoal neste ano e meio de governo?
Nakano - Nós não temos um cadastro de pessoal centralizado e por isso é muito difícil ter um número preciso. A redução maior aconteceu nas empresas e fundações, nas quais a gente não enfrenta problema de estabilidade.
Folha - Mas a dívida subiu de R$ 50 bilhões para R$ 68 bilhões.
Nakano - É, aumentou bastante em função da taxa de juros.
Folha - Ou seja, o que o governo tucano de São Paulo tira com uma mão, o governo tucano federal coloca com a outra.
Nakano - O aumento foi fundamentalmente em função da taxa de juros, que parcialmente foi capitalizada. O setor público paulista no conjunto ainda desembolsou liquidamente R$ 3,6 bilhões em 95. Ainda assim aumentou R$ 16 bilhões só a dívida contratual e mobiliária. Nós temos ainda precatórias, nas quais também incide um juro absurdamente elevado, quase 20% real ao ano.
Depois nós temos dívidas junto a empreiteiras, uns R$ 3 bilhões. De precatórias, são R$ 4,4 bilhões que deviam ter sido pagos até este ano. Sobre isso incide uma correção já de mais de R$ 1 bilhão até março. Folha - Nós gostaríamos que o Angarita e o Kapaz respondessem a primeira questão, sobre a impressão de um governo monotemático, acrescentando essa questão dos juros. Vocês do governo do Estado aceitam passivamente essa situação ou tentam interferir junto ao governo federal?
Antonio Angarita - A questão do Banespa é de grande magnitude para o Estado, mas foi magnificada pela imprensa. Já a questão dos juros é um dado. Ela é impeditiva de você fazer o planejamento do Estado. Mas a minha secretaria tem um objetivo, que é o de propor a reforma institucional do Estado.
Folha - Mas era de se supor que vocês já tivessem definido ou até feito essa reforma do Estado com um ano e meio de gestão.
Angarita - Nós fizemos, pela primeira vez, que eu saiba, um censo de funcionários públicos.
Folha - Mas o Nakano disse que não dá para saber quantos foram cortados exatamente. Se há um censo deveria ser possível saber.
Angarita - Mas esse censo não é perfeito, não é uma obra acabada. Mas já temos os seguintes números: 610.800 funcionários públicos na ativa, 194 mil inativos, na administração direta. Nas estatais são 198.800 ativos e 9.800 inativos. Os ativos da direta custam R$ 502 milhões por mês, e os inativos, R$ 247,8 milhões. Na indireta, os ativos custam R$ 427,4 milhões, e os inativos, R$ 45,7 milhões.
Folha - Tudo somado dá quanto por cento da receita?
Nakano - No ano passado, 64,53% da arrecadação líquida corrente do ICMS e, este ano, até abril, 64,28% (o ICMS é o principal imposto do Estado e representa cerca de 90% da arrecadação).
Folha - Uma brincadeira que se faz por aí diz que no Rio se privatiza enquanto em São Paulo se faz uma tese de doutorado sobre o modelo de privatização. A piada vale para a reforma do Estado?
Nakano - Deixa eu dar o exemplo da minha secretaria. Nós temos dois grandes projetos de reforma e modernização: um que abrange toda a parte de receita e fiscalização. O contribuinte, para pagar ICMS, ainda tem de preencher guia em papel. A partir de setembro, tudo será informatizado, e nós estamos interligando todas as delegacias.
Vamos poder fornecer ao contribuinte informações que ele precisa praticamente on-line.
Nós estamos montando um esquema de fiscalização mais técnico também, partindo para um modelo setorial. Primeiro, fazemos uma estimativa global de potencial de arrecadação do setor e, a partir daí, vamos verificar quanto está sendo arrecadado, o comportamento de cada empresa, e fazer uma fiscalização maciça por setor.
Outra reforma fundamental foi todo o processo de planejamento, preparação de orçamento, orçamento, gestão financeira e controle, que era o caos. Hoje, posso ter acesso a todo gasto do Estado.
Folha - A sociedade também?
Nakano - Exato. Já colocamos à disposição da Assembléia Legislativa e do Tribunal de Contas.
Emerson Kapaz - Não é à toa que conseguimos US$ 13,2 bilhões de investimentos, embora eu veja todos os dias nos jornais que São Paulo está perdendo a guerra fiscal. Como, se nós temos US$ 13 bilhões, 92 novos empreendimentos em processo de ampliação?
E sem mecanismo de incentivo fiscal. A empresa é que tem a sensibilidade para avaliar o que está em andamento em São Paulo e ver que o Estado está se reorganizando e que, daqui a três ou quatro anos, vai ser um Estado puxador da economia brasileira. Perdeu o espaço nos últimos oito anos e começa agora a se recuperar.
Folha - Mas os US$ 13 bilhões são apenas 5% do PIB (Produto Interno Bruto) paulista, o que é mais do que esperável. Podia ser mais, aliás. Esse total vai mais no sentido de comprovar que São Paulo deve estar perdendo investimento.
Emerson - Não é verdade. Eu sou colocado diante da seguinte situação: a Volkswagen foi para o Rio. A Mercedes, para Minas. A Renault, para o Paraná. Ótimo, são investimentos se descentralizando, e a descentralização acontece, infelizmente, em cima de guerra fiscal. Ela deveria ser feita em cima de uma política industrial e de um projeto de desenvolvimento com vocações regionais.
São Paulo perdeu seis pontos percentuais de participação no PIB em oito anos. Ou seja, não é que ele não pegou esses US$ 13 bilhões. Ele deixou de pegar qualquer bilhão.
Folha - Sem menosprezar dificuldades jurídicas, gerenciais, há uma sensação de que há, em especial por parte do governador, uma resistência ideológica à privatização.
Nakano - Isso não é verdade. Acho que é uma questão pragmática de você redefinir o papel do Estado. Você tem de ter um governo muito menor, mas com muito maior autoridade. Muito mais um coordenador da atividade econômica do que ele próprio implementar as atividades.
Folha - Vamos voltar ao início da conversa, o Banespa, com um adendo: para que o Estado precisa de dois bancos públicos?
Nakano - O primeiro fato fundamental é que o Banespa está sob administração federal desde 29 de dezembro de 94. Nós não temos nenhum poder, não tomamos nenhuma decisão sobre o Banespa.
No primeiro momento, o Banco Central queria que São Paulo privatizasse. Por uma razão muito simples: o Banco Central consultou o mercado para ver se havia algum banco interessado em comprar o Banespa e chegou à conclusão de que não havia. Então, tentaram empurrar o abacaxi para a gente. Todos os deputados da Assembléia, sem exceção, eram contra. Todos os deputados federais, com exceção de um, foram ao governador dizer que eram contra.
O que se colocava era que São Paulo não tem condições de privatizar. Eu disse isso a eles e posso repetir 500 vezes. Se vocês querem privatizar, se o Banespa está sob intervenção federal e a lei de Regime Especial Temporário permite a eles fazer, por que não fazem?
Folha - Porque precisa resolver junto o problema da dívida (do governo junto ao banco).
Nakano - É isso. São Paulo apresentou a proposta. Primeiro, de privatização e depois a proposta de solução, que surgiu em meados do ano. Levamos mais seis meses para fechar o acerto.
Se tivesse sido implementado naquele momento, estava acertado. Veja bem, você está lidando com um problema bancário sem precedente na história. É um problema que envolve mais de US$ 18 bilhões, um dinheiro que não cabe no orçamento do Estado.
Folha - Esses US$ 18 bilhões amanhã serão US$ 18,5 bilhões. Alguma coisa tem de ser feita.
Nakano - Foi o que nós colocamos já no dia da intervenção ou antes. Avisei que, se a dívida então era de US$ 9 bilhões, no final do ano chegaria a US$ 15 bilhões, US$ 16 bilhões. Chegou a US$ 15 bilhões. Então, nós temos de resolver primeiro o problema da dívida.
Folha - Como está a situação?
Nakano - Com o atraso na implementação, se tornou inviável. Não só por causa dos US$ 3 bilhões (valor que a dívida cresceu após o fechamento do acordo) como também porque o acordo previa, por exemplo, a venda dos direitos sobre os aeroportos por parte do Estado e a transferência da Fepasa. A nenhuma dessas duas operações se deu andamento. Não por causa do Estado, mas porque o governo federal não tomou providências.
A proposta fechada em dezembro envolvia um desembolso mensal, como juros do serviço da dívida, de cerca de R$ 40 milhões, e o Estado assumia o passivo atuarial do Banespa de mais de R$ 27 milhões por mês. Cabia no orçamento. Algo a mais não cabe.
Folha - O secretário Nakano durante seminário sobre globalização na USP pareceu muito pessimista. Fez uma análise sobre o futuro de uma economia regional como a paulista num quadro de glo balização e disse que há um certo esvaziamento de São Paulo que independe do esforço de governadores ou de quem quer que seja.
Nakano - Eu não quis ser pessimista e, sim, chamar a atenção para aspectos que nós temos que atacar rapidamente. O processo de consolidação da abertura exige uma mudança estrutural que o país não fez, que é a de conseguir criar um setor exportador independente da demanda doméstica, e atrelar esse setor ao comércio internacional, que tem crescido mais rapidamente do que as economias nacionais no seu conjunto.
A abertura da economia mudou a dinâmica de localização industrial no Brasil. Você pode localizar uma fábrica num Estado do Nordeste ou no Sul e importar e exportar, porque a economia está aberta. O que São Paulo tem de vantagem é uma infra-estrutura muito mais sólida e a concentração de atividades de maior intensidade de conhecimento. É a essa área que temos que dar mecanismos para crescer e atrair investimento.
Outra coisa que eu dizia era que, com a globalização, quando qualquer medida que tenha efeitos lá fora provoca resposta dos demais países, políticas industriais do tipo convencional não têm mais nenhum sentido.
Você tem que trabalhar com política comercial. Infelizmente, isso está na área federal e envolve um conjunto enorme de mudanças. Você tem que harmonizar todas as práticas institucionais em políticas tributárias e legislação trabalhista com o resto do mundo para tornar o país competitivo.
O Estado deve concentrar os seus esforços e, eventualmente, gerar incentivos ou subsídios. O que eu dizia é que nós temos que nos con centrar em atividades nos fatores produtivos de menor mobilidade.
Aqui nós estamos fazendo o contrário. Botamos o câmbio no lugar errado e jogamos o preço de um fator que é fundamental para a reestruturação, que é o custo do crédito, na lua. Com isso, você cria uma situação em que as empresas que não tiverem acesso às linhas de crédito internacional não conseguem competir. Ou você coloca os recursos básicos à disposição das empresas ou elas vão ter dificuldades. E estão tendo.

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