São Paulo, terça-feira, 2 de julho de 1996
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Gianni Ratto resume sua vida em livro

FERNANDO LICHTI BARROS
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Está pronto o primeiro livro de Gianni Ratto. O diretor, cenógrafo, ator e iluminador conta fragmentos dos seus 60 anos de vida em "A Mochila do Mascate". São lembranças soltas, sem ordem cronológica, em que Ratto critica o psicologismo que hoje assola a dramaturgia e imagina o fim do confinamento dos espetáculos.
Italiano de Milão, Ratto chegou ao Brasil em 1954. Fez uma rápida passagem pelo Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), participou, no Rio, do "Teatro dos Sete", ensinou na USP, dirigiu peças que se tornaram clássicas ("Se Correr o Bicho Pega, se Ficar o Bicho Come" e "Gota d'Água", entre outras) e, mais recentemente, "Porca Miséria". Acha que atualmente faz-se teatro para consumo rápido: "Parece pizza." Leia a seguir trechos de sua entrevista à Folha.
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Folha - Por que você afirma que o edifício teatral está falido?
Gianni Ratto - Porque ele responde às imposições de uma sociedade burguesa dos séculos 17, 18 e 19. As frisas e camarotes de teatros como o Municipal correspondem à estratificação social. Em salas com palco italiano o espectador não participa, é um voyeur.
Folha - E como o edifício poderia ser?
Ratto - Deveria ter outro tipo de estruturação, sem divisões e pano de boca, que nos separa de algo que vai acontecer. O teatro carrega uma série de ranços de certas convenções sociais. Lá não pode beber, fumar, sentar no chão.
Folha - Como, então, você imagina o teatro?
Ratto - Não precisa ter o luxo que deixa o povo pouco à vontade. Teatro não tem que ser luxuoso, tem que oferecer algo que gratifique intelectual, moral e sensivelmente. Deve movimentar o anseio de viver acima do banal, deve ser um catalisador que saia das salas de 500 lugares, vá para os estádios ou tenha uma cidade inteira contribuindo com a montagem.
Folha - O teatro está em crise?
Ratto - Desde os gregos. Mas ela é fundamental: sem crise não há teatro. Quando você não está em crise é porque está apático.
Folha - A televisão atrapalha?
Ratto - Há um excesso de novelas, que cutucam a sensibilidade emotiva. A TV funciona à base de interesses comerciais violentos, cria uma cultura negativa. Mas ela não mata o teatro, só a capacidade de ir ao teatro de cabeça limpa.
Folha - Apesar da crise, há dezenas de peças em cartaz em SP.
Ratto - De cem espetáculos, salvam-se 20. Isso acontece também em outros países. Veja quantos espetáculos bons estão em cartaz aqui, veja a média de espectadores. Num cálculo generoso, é de uns 30 mil por semana para mais de 60 teatros. Seria uma platéia pequena para um estádio de futebol.

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