São Paulo, terça-feira, 2 de julho de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A universidade e a terceira idade

PAULO RENATO SOUZA

Na medida em que aumenta a consciência de que o Brasil, acompanhando a tendência mundial, está vendo crescer, em sua população, a proporção de pessoas maduras e idosas, a universidade, como as demais instituições, vive um processo de reflexão e de adaptação a essa nova realidade.
Nos dias de hoje, as famílias têm menos filhos, a mortalidade infantil é drasticamente menor do que no passado, e as pessoas, graças aos progressos da medicina e da prevenção, vivem mais. O resultado dessas tendências muito claras é que a média de idade da população como um todo aumenta, provocando o chamado "envelhecimento populacional". Esse envelhecimento não pode ser visto como um mal, um fato indesejável, pois é resultante de causas que ninguém desejaria eliminar: famílias menores, melhor saúde para os recém-nascidos, vida mais longa para os adultos.
O que ocorre é que a sociedade, e a educação em particular, precisam reconhecer e se posicionar de forma adequada frente a essa nova realidade. Em relação ao ensino fundamental, já nos demos conta de que o antigo discurso da construção de novas salas de aula se tornou insuficiente.
A população infantil e juvenil já não aumenta de forma explosiva e, se faltam vagas, isso se deve a fenômenos como a dificuldade de fazer com que os equipamentos escolares acompanhem o deslocamento da população (do interior para a periferia das grandes cidades, por exemplo) e a repetência, que congestiona o sistema e evidencia deficiências qualitativas mais do que quantitativas.
Já o ensino de segundo grau está se preparando para um grande incremento de procura. Com a evolução da sociedade brasileira, os jovens deverão postergar sua entrada no mercado de trabalho, que hoje é ainda excessivamente precoce, e prolongar o período de sua formação. O tipo de ensino também deverá ser mais diversificado e flexível, atendendo à diversidade de aptidões e de oportunidades oferecidas por um mercado mais sofisticado e em permanente evolução, que valoriza cada vez mais a capacidade de adaptação e a criatividade, em detrimento de habilidades e conhecimentos fixos, que rapidamente se tornarão superados.
No que diz respeito à universidade, os desafios e as oportunidades são imensos. As três dimensões de sua atividade -ensino, pesquisa e extensão- estão diretamente afetadas pelo novo perfil demográfico da sociedade e, inclusive, numa medida considerável, são responsáveis por ele. Que os hospitais universitários e a pesquisa na área de saúde são fatores importantes no aumento da expectativa de vida são fatos que não precisam ser lembrados. É também evidente que a formação de médicos, enfermeiras, dentistas, professores de primeiro e segundo graus contribui para a elevação dos níveis de higiene e saúde da população em geral.
Mas há inúmeras outras áreas -da engenharia de trânsito à pesquisa esportiva, das descobertas químicas que reduzem a poluição às investigações ecológicas, da tecnologia de alimentos à computação e à automação, que diminuem o esforço físico no trabalho -em que a universidade sempre esteve diretamente envolvida com o processo de prolongamento da vida e com o aumento de sua quantidade.
Muita coisa ainda existe para ser feita e está começando a ser feita pela universidade. As instituições de ensino superior, cada vez mais, abrem as portas de suas atividades de extensão -e, em alguns casos, até de graduação- para a terceira idade. A universidade passa a ser um lugar privilegiado para a convivência das gerações, num mundo em que a segmentação tende a separar crianças, jovens e idosos em atividades e locais quase sem comunicação.
O enorme cabedal de experiências e de conhecimentos dos mais velhos tem se revelado importante e interessante para os mais moços, quando a oportunidade de encontro tem sido proporcionada no ambiente acadêmico. Junto com a sua principal clientela de jovens em formação, a universidade está cada vez mais acolhendo e incorporando pessoas que decidiram voltar, seja para terminar um curso superior interrompido, seja para satisfazer uma antiga paixão pela ciência, pela literatura, pela história, pela cultura em todas as dimensões, sacrificada muitas vezes pela necessidade de obter rapidamente um diploma para enfrentar o mercado de trabalho.
A universidade entende que, ao acolher essa nova clientela da terceira idade, não está perdendo tempo ou desperdiçando recursos. Sua missão de produzir e de comunicar conhecimento está, tanto nesse caso como quando forma jovens profissionais, a serviço dos interesses e das necessidades da sociedade. E a sociedade precisa apoiá-la e incentivá-la a assumir esse novo papel. A parceria deve ter mão dupla: para receber da universidade, a sociedade, incluindo os próprios idosos, deve dar à universidade sua contribuição: expressar suas demandas, oferecer os recursos de que dispõe.
Se os teatros, as orquestras, os parques, os clubes, as empresas procurarem se associar à universidade nos programas para a terceira idade, e os idosos se lembrarem, como acontece na sociedade americana, de contemplar a universidade em suas doações e legados, o envelhecimento populacional poderá deixar de ser visto com preocupação e temor. Além de mais longa, a vida poderá se tornar mais bela, agradável e harmoniosa, do acender ao apagar das suas luzes.

Texto Anterior: Terra de Marlboro
Próximo Texto: A satanização dos sem-terra
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.