São Paulo, quinta-feira, 4 de julho de 1996 |
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"Company" introduz à atmosfera da poesia
NELSON DE SÁ
Adaptado por um amigo de três décadas do autor irlandês, o ator americano Frederick Neumann, ainda assim é um acesso de verborragia, que em quase hora e meia consome a paciência de não poucos espectadores. Não poucos deixam a sala, sem esperar o final. Mas quem suporta, quem se mantém, como quem se mantém nas primeiras dezenas de páginas da Terra de Euclides da Cunha, em "Os Sertões", é introduzido numa atmosfera arrebatadora de poesia. E termina o espetáculo, como aconteceu anteontem, no Rio Cena Contemporânea, chamando de volta ao palco, para mais e mais aplausos, o autor e o ator. Mas antes, no começo da peça, é preciso atravessar uma selva fechada de significados. De início se aprecia o cenário, com três grandes círculos lado a lado, imitando parabólicas, iluminados para causar as mais diferentes impressões. É o pouco que se nota da característica que, desde 1970, fez a fama da companhia Mabou Mines, de Neumann e dos diretores Lee Breuer -que mostrou "The Red Horse Animation" no festival- e JoAnne Akalaitis -que também está no Rio Cena: a imagem. Mas as antenas, no caso, servem para ecoar a linguagem, não para suprimi-la com a imagem. É a diferença de um espetáculo realizado por um ator, não por diretores; atores apreciam as palavras -ainda que eles sejam da velha vanguarda de Nova York, como foi o caso da verborrágica e discursiva Karen Finley, ano passado no festival de São Paulo. Em "Company", aos poucos a poesia começa a se instalar, a tomar seu lugar, deixando palavras no ar como "companhia", "a voz sozinha", "falando, falando", "em primeira pessoa", "terceira" -sempre a obsessão de Beckett com a comunicação, a falta de. No palco, no que é quase um diálogo consigo mesmo, o que a primeira cena da peça, com duas cadeiras, procura evidenciar, um personagem fala de solidão, de solidão existencial. Algumas ironias aqui e ali, "quanto menor a atividade mental, melhor a companhia", explicitam o tom de cinismo, no início. Mas aos poucos também é a tragédia existencial que se impõe, com sinais de compaixão. Ele passa a recordar a vida desde o "escuro", o nascimento, a mãe, a escola. A música de Philip Glass, quem poderia imaginar?, embala com romantismo, tristeza e violinos a saudade cada vez maior da vida. Cadencia a poesia do espetáculo. "Passa o tempo", mas o "nada" persiste. As questões existenciais e metafísicas vão e voltam. "Deus é amor, sim ou não? Não!" O personagem sem nome, com palavras, vai morrendo, "deitar e morrer", "de volta ao escuro", "o lugar não tem janelas", "as palavras estão chegando ao fim", "silêncio", até as palavras finais, "você como você sempre esteve... sozinho". Texto Anterior: Barcelona ressalta arquitetura da luz Próximo Texto: Hoichi Okamoto é a atração de hoje no Festival Índice |
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