São Paulo, quinta-feira, 4 de julho de 1996
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A dignidade na modernidade

JOÃO CÓSER

Dois são os erros de avaliação cometidos por determinados integrantes do Partido dos Trabalhadores quanto às mudanças que se processam no mundo e, em particular, no Brasil que conduzem a graves equívocos políticos.
Primeiro, interpretam as mudanças, de forma positivista, como um fenômeno independente da vontade, da intervenção e do movimento das massas. Desconhecem a relação dialética entre sujeito e objeto, entre o ser e a consciência. Segundo, como decorrência do primeiro, propõem que o partido deva, então, aderir sem contestação à mudança, como se não houvesse outro caminho para a modernidade. Esses são os fundamentos dos equívocos que comete o governador Vitor Buaiz, sintetizados em seu artigo do dia 27 de junho passado.
O PT se credenciou como um partido confiável para grande parcela da população justamente por empreender um movimento na política brasileira em que o sujeito principal, capaz de modificar os rumos deste país, é o povo organizado. Um movimento em que o cidadão participa na definição do seu presente e do seu futuro, compreendendo e modificando a realidade. Isso é o que sempre defendemos como participação popular. O novo indivíduo não é uma consequência pura e simples de um movimento de caráter positivo, mas sujeito consciente das suas necessidades, capacidades e agente ativo do processo político.
A coerência com esse princípio é traduzida politicamente na necessária democratização do Estado, na sua desprivatização. O resultado é visível em vários locais onde o PT governa dessa forma. Onde não seguimos esse princípio, o fracasso foi patente, mesmo que alguns, individualmente, tenham alçado novas posições.
A modernidade defendida pelo PT tem como escopo a construção de um novo modelo de desenvolvimento calcado na distribuição da riqueza, no aumento dos investimentos e do emprego, na realização da reforma agrária, na profissionalização do serviço público e na democratização do Estado.
Não existe modernidade com desemprego, com arrocho salarial, com abdicação da soberania nacional e popular, com subordinação ao capital internacional. A reforma do Estado que propomos não significa a entrega pura e simples, a preço de banana, das nossas riquezas, a privatização dos serviços públicos essenciais, um Estado sem funcionários públicos.
Esse tipo de política é inaceitável para as elites brasileiras e para quem pretenda adotar a filosofia neoliberal como ideologia. Não é de graça que os arautos da filosofia neoliberal adotam os mesmos expedientes dos processos ditatoriais para se consolidarem ou se manterem no poder.
O que muitos interpretam como uma fraqueza do Partido dos Trabalhadores na verdade constitui a sua riqueza. Nenhum partido, no Brasil, reúne a gama de pensamentos existentes no PT que, no desenrolar das contradições, mantém a unidade e a coerência. Outra grande salvaguarda do nosso partido é entender, até mesmo por sua origem, que não existe futuro se a classe trabalhadora não reagir em defesa de seus interesses. Por isso, constitui um dos seus pilares a participação nas lutas populares. Aliás, um dos fundamentos reais da nossa proposta de democratização do Estado, pois é nesse espaço que são gestadas as novas formas de organização e de poder.
Chegar ao poder, em nossa concepção, não tem o mesmo significado da linguagem dos que têm como objetivo apenas o governo. Para esses, o horizonte já se findou, ao confundir governo com poder. E pior, sem a participação do povo organizado.
A crise, se assim podemos caracterizar o momento atual do Partido dos Trabalhadores, em verdade reside no confronto entre os que se mantêm fiéis aos ideários de transformação e os que, por conveniência, oportunismo, personalismo ou simplesmente por corrupção ideológica aderiram, confortavelmente, ao processo de globalização do capital e à sua versão ideológica, o neoliberalismo, com sua mais recente versão brasileira, o governo Fernando Henrique Cardoso.
Num ponto concordamos: "É preciso reagir. Antes que seja tarde". Mas a reação deve ser contra o desemprego, como propõe o programa lançado pelo PT, pela realização da reforma agrária, pela preservação dos direitos sociais dos trabalhadores, conquistados com luta e sangue, no campo e nas fábricas. Uma reação para preservar o patrimônio nacional, principalmente nos setores estratégicos. Enfim, sabemos para onde queremos ir e, minimamente, como ir. Quem parece não saber para onde ir são os que, no meio do caminho, tomaram carona no projeto do governo federal.

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