São Paulo, segunda-feira, 8 de julho de 1996
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Paixão e dor

JUCA KFOURI

O que nos faz gostar tanto de futebol? Por que o nosso coração bate mais forte na comemoração de um gol? Por que cada derrota nos faz sentir mais perto do fim?
Ora, o futebol evidentemente não é uma questão de vida ou de morte, como já disse um velho irlandês.
É muito mais que isso, ele concluiu. De fato.
Sei o quanto da minha paixão pelo futebol foi despertada pelo meu pai, Carlos.
Homem sério, culto, exercia seu ofício de Procurador de Justiça como uma missão. Morreu tragicamente, em 1985, ao tentar evitar que minha mãe fosse assaltada.
Sinto orgulho de ser um de seus herdeiros.
Mas, se alguma coisa era capaz de fazer com que ele abandonasse seu recato, essa coisa era um gol do Corinthians ou do Brasil.
Sem agredir ninguém, ele fazia de seu corintianismo uma devoção, como a contrabalançar sua nenhuma religião.
Minha mãe, Luiza, sempre foi diferente.
Carioca e torcedora do Flamengo, por causa de Leônidas da Silva, nunca deu muita pelota para o futebol.
Paulistana por adoção, adotou também o São Paulo, outra vez por causa de Leônidas da Silva.
Uma tricolor sem nenhuma convicção.
Sua paixão, na verdade, além dos quatro filhos e oito netos, sempre foi o seu trabalho como diretora da Escola Nova Lourenço Castanho. Melhor dizendo, sua grande paixão sempre foram as crianças da escola.
Mas, um dia, minha mãe também se converteu ao corintianismo, para meu consolo.
Foi quando, ali por 1956, o lateral alvinegro Valmir, no último minuto, marcou um gol contra e deu a vitória por 1 a 0 ao Palmeiras, no Pacaembu.
O único jeito que ela achou para me fazer parar de chorar foi dizer que, a partir daquele dia, ela seria uma das nossas, corintiana sim senhor.
Pois a enterramos ontem, depois de 74 anos.
Ela foi uma forte, mesmo depois de uma polionevrite, dois cânceres, três enfartes, muito trabalho e uma vida exemplar.
Agora, não há o que me faça parar de chorar.
Talvez apenas a lembrança de que seu coração, corintiano só para me agradar, pulsou com tamanha garra que permitiu sobrar um pouco para todos que a amaram.
Chegou a hora de descansar, velhinha querida.

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