São Paulo, quinta-feira, 11 de julho de 1996
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O pacto social austríaco

LUÍS NASSIF

Não há nada que incuta mais sabedoria nas nações que o pós-guerra. É como o coma para as pessoas. A perspectiva da morte leva-se a valorizar o essencial e deixar de lado as quizilas. Nos países, o processo de reconstrução nacional libera energias e solidariedades. A guerra é a responsável pela mais interessante experiência social da Europa: o Pacto de Solidariedade da Áustria, que permitiu ao país encarar a globalização com muito menos traumas que seus vizinhos.
O pacto começou a ser esboçado nos campos de concentração aliados, quando líderes da situação e da oposição se encontraram presos, por seu apoio ao nazismo.
Entre grades, descobriram a inutilidade das longas disputas políticas anteriores.
Em 1957, o pacto resultou nas Câmaras Paritárias, compostas por representantes de empresas e trabalhadores, organizadas dentro de dois objetivos básicos para o país: gerar exportações competitivas (40% da produção austríaca são exportadas) e regular preços internos.
A escassez do pós-guerra (quando crianças austríacas chegaram a ser distribuídas por casais em toda a Europa, para fugirem da fome) ajudou a conferir objetividade ao pacto.
Os sindicatos nunca exageram nas demandas, porque o objetivo básico é manter a competitividade das exportações e a inflação baixa. Obviamente essa racionalidade só é possível em ambientes institucionalizados, onde haja plena confiança entre as partes.
Competitividade
Quando a competição se acirrou, o mecanismo das Câmaras Paritárias foi fundamental para pactos de flexibilização ordenada de salários e direitos trabalhistas, que reduziram bastante o custo dos ajustes, vis-à-vis outros países da Europa.
Na Suécia, por exemplo, salários altos levaram ao encarecimento dos produtos, reduzindo a capacidade de exportação. Caiu a competitividade obrigando a uma desvalorização da moeda, seguido de uma dura política monetária, que gerou desemprego.
Na Áustria, o Pacto permitiu uma discussão bastante racional. Embora os salários sejam altos para muitos setores (comparativamente a outros pólos de desenvolvimento, na Ásia e América Latina) o país conseguiu manter sua competitividade.
Ao reduzir pressões de salários sobre os custos das empresas, a Áustria não precisou recorrer à combinação de câmbio e juros, que derrubou a atividade econômica em toda a Europa.
O pacto também ajudou a vencer o forte lobby de funcionários de estatais, que impedia a sua privatização.
Apesar da privatização das grandes estatais ter despejado um exército de desempregados na rua (apenas na siderurgia houve a redução de 100 mil para 50 mil no contingente empregado), o desemprego é dos mais baixos na Europa: cerca de 6%.
(Solicita-se não comparar com os índices brasileiros, pois, além de emprego formal, há uma vasta rede de segurança, que garante um salário desemprego quase nos níveis dos salários de mercado).
Mesmo assim, há consciência de que a mão-de-obra progressivamente tornará a indústria local menos competitiva. A saída foi investir maciçamente em tecnologia e no ambiente educacional.
Temores
A situação do país não é tranquila. Por todo lado, há a consciência e o temor de que haverá uma perda no padrão de vida, para adaptar a economia à nova realidade global.
A questão é que o ambiente de confiança criado com as Comissões Paritárias despiu essa discussão de componentes emocionais e ideológicos.
No momento, discute-se redução nos benefícios previdenciários e nos salários dos funcionários públicos. É um processo lento, mas que é acompanhado e tem a adesão gradativa de toda a opinião pública.

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