São Paulo, quinta-feira, 11 de julho de 1996
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Filha do escritor Jorge Amado faz a versão definitiva da obra do pai

OTÁVIO DIAS
ENVIADO ESPECIAL A SALVADOR

Sessenta e cinco anos depois de estrear na literatura com "O País do Carnaval", Jorge Amado, 83, encontrou a revisora que encomendou a Deus: sua filha, Paloma.
Há mais de dois anos, Paloma Jorge Amado Costa, 45, realiza uma minuciosa e exaustiva análise da vasta obra do pai (39 livros).
O objetivo do projeto, patrocinado pela organização Norberto Odebrecht a um custo de cerca de RS$ 80 mil por ano, é identificar e eliminar erros acumulados nas sucessivas edições e recuperar os livros do romancista baiano tal como foram escritos originalmente.
"Sou a pessoa ideal para o trabalho porque conheço o espírito da obra de papai", diz Paloma. Quando criança, acostumou-se a ouvir as histórias de Amado enquanto estavam sendo escritas. Adulta, tornou-se crítica atenta.
Até o momento, Paloma recuperou nove romances do escritor. Destes, "Jubiabá" (35), "Mar Morto" (36), "Capitães da Areia" (37), "Terras do Sem Fim" (43) e "Gabriela, Cravo e Canela" (58) já estão nas livrarias.
Na próxima Bienal do Livro, que acontece em São Paulo em agosto, mais quatro livros receberão versões definitivas: "Cacau" (33), "A Morte e a Morte de Quincas Berro D'Água" (61), "Os Velhos Marinheiros ou O Capitão de Longo Curso" (61) e "Tereza Batista Cansada de Guerra" (72).
Nesse trabalho de busca de "piolho em elefante", definição de Paloma Amado, encontram-se erros de todo tipo, inclusive cometidos pelo próprio Jorge, um escritor que aprendeu a escrever na marra.
"Quando jovem, papai escrevia seus livros de uma enfiada só", conta Paloma. "Quincas Berro D'Água", por exemplo, com 98 páginas, ficou pronto em 48 horas.
Em consequência, há personagens que aparecem e desaparecem sem explicação. Outros mudam de nome no decorrer do romance. Também existem problemas de continuidade na narrativa e erros de ortografia e gramática.
Paloma, no entanto, ressalta o cuidado, tanto de sua parte como da do pai, de não "reescrever" os livros: "Os erros do jovem escritor serão mantidos porque revelam a evolução do romancista", diz ela.
Mas o inexperiente e impulsivo Jorge Amado em início de carreira não é o único culpado pelas imprecisões sem fim de sua obra. Sucessos de vendagem, seus livros foram reeditados várias vezes. A cada novo lançamento, modificações foram feitas, erros somaram-se aos anteriores.
"Quando comecei o trabalho, imaginei que encontraria algumas dezenas de erros em cada livro", diz Paloma. "Surpreendi-me ao perceber que eles podem chegar a mais de 2.000 em um só."
Para a revisora-filha, "chegou a hora de recuperar a obra de papai e aproximá-la o mais possível de como foi escrita originalmente".
Ela, hora sobre hora, debruça-se sobre novas e velhas edições, originais cheios de rabiscos. O autor, no entanto, dá a última palavra sobre como seus romances serão "remasterizados".
"É surpreendente sua memória", diz Paloma. "Às vezes, encontro trechos incompreensíveis. Mostro para papai e ele se lembra do que escreveu há 50 anos."
Cirurgia plástica Os livros também estão sofrendo uma cirurgia plástica, coordenada por Pedro Costa, 49, arquiteto e marido de Paloma.
Ilustrações de artistas da importância de Goeldi, Santa Rosa, Carybé e Calasans Neto estão sendo limpas e restauradas.
Por seus próprios autores, quando ainda vivos, ou por Costa.

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