São Paulo, sábado, 13 de julho de 1996
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Brasil sujo

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Fico aterrorizado cada vez que ouço ser necessário passar o Brasil a limpo. Não quer isso dizer que prefira o país sujo como está, já o encontrei assim quando nasci, há suficientes anos. O pai reclamava dos abusos na conta do armazém, o vigário do Lins reclamava das verbas que a prefeitura gastava com o Carnaval enquanto crianças passavam fome, todos, de uma forma ou outra, não tendo do que reclamar, reclamavam do polvo canadense, que era a Light.
Vai daí, tremo e temo quando falam em passar o Brasil a limpo, como volta e meia ameaçam. Para tapar um mísero buraco de estrada, uma calçada esburacada aqui em frente, são precisos editoriais, licitação pública, empenho de verbas, auditorias, o diabo.
Temos superfície exagerada, mais de 8 milhões de quilômetros quadrados. Se medirmos a sujeira acumulada por baixo do pano, na plataforma continental, no espaço aéreo e naquela faixa da Antártida que nos pertence -é obra em escala cósmica, que requer concorrência internacional e comissões para os testas-de-ferro de praxe.
Outro dia, precisei fazer pequena faxina no teto da cozinha e da copa. Não estavam tão sujos como o Brasil, mas havia uma equipe de pintores no andar de cima, era aproveitar que sairia mais barato. São exatos 35 metros quadrados e a limpeza custou-me aquilo que os economistas da escola de Chicago diriam "alguma coisa em torno de" R$ 500,00.
Uma coordenada a meu favor: não paguei comissão exorbitante ao porteiro que me arranjou os pintores. Limitei-me à cerveja de praxe -âncora geralmente usada nessas transações. Ficou em apenas R$ 20,00. Somando tudo, não deu para me declarar em emergência nem recorrer ao Proer nem ao FMI.
Com esses cálculos na mão, é natural que tema uma faxina em regra no Brasil. Já seria lucro se, a partir de certo momento, não o sujassem mais.

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