São Paulo, domingo, 14 de julho de 1996
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A grandeza de um voto

JANIO DE FREITAS

A atitude solitária do deputado e médico Eduardo Jorge, único petista a votar a favor da CPMF -embora 22 deputados do PT se declarassem favoráveis ao imposto para a Saúde- exprimiu um problema político já histórico. E sempre crucial no confronto entre as eternas tendências ao autoritarismo, inclusive o autoritarismo da esquerda, e as aspirações de democracia.
Ao acabarem de assinar um manifesto declarando-se favoráveis à CPMF, considerando-a como "única solução a curtíssimo prazo" para dar "recursos substanciais" à Saúde, 21 dos petistas manifestantes votaram contra "a única solução". Seguiam, ao lado dos 17 desde sempre contrários à proposta do ministro Adib Jatene, a ordem da direção do partido.
A fidelidade partidária foi mais uma vez posta em ação. Exceto pelo deputado Eduardo Jorge, que preferiu o chamado voto de consciência, da sua consciência. Tornou-se, por isso, sujeito a penalidades que poderiam chegar à exclusão do partido.
Pouco importa se de esquerda, de direita ou lá do que for, raras atitudes humanas são tão respeitáveis quanto a atitude tomada em nome da consciência, dos princípios. Que confiança merecerá quem não é fiel nem à própria consciência, aos seus princípios?
A prática da fidelidade à margem da consciência, que não é mais do que a imposição da obediência acima de tudo, não é exclusiva de certas maneiras de ação política. Ocorre em qualquer atividade, e em algumas delas, como na vida militar, é até muito mais essencial do que na política. Mas, exceto entre militares, os seus praticantes não são, necessariamente, adeptos da sujeição da consciência e dos princípios individuais. É fácil constatar-se sua contradição.
Por mais que se distinguam uns dos outros, todos os partidos, movimentos e tendências de esquerda adotaram, em algum grau, a regra da fidelidade acima da consciência e dos princípios pessoais. Mas a larga maioria dos seus integrantes não admitiu e não admite, por exemplo, a invocação do dever de obediência por um torturador, ou por um militar em ação contra civis desarmados, para ficar-se só no mais óbvio. O discurso contra estas e outras formas de sujeição da consciência nem é só da esquerda, é também de muitos dos segmentos ditos de centro. Trata-se mesmo de um lugar-comum nas idéias políticas.
Mas nem por isso resolvido. Veja-se o que se passa no PSDB, cujas figuras proeminentes foram contrárias à norma obrigatória de fidelidade partidária, quando discutida no Congresso. O que não impede agora a punição, pelo tratamento de pão e água, dos parlamentares peessedebistas que alguma vez tenham votado contra propostas de Fernando Henrique. Nem impede o uso de constrangimentos para que um bom senador peessedebista deixe o partido, por não sujeitar um relatório sério ao desejado pelos ocupantes do Planalto.
Apesar de tudo, a fidelidade partidária tem cabimento. Ninguém adere a um partido à força. Se o partido não tem compromisso com o seu programa e age até contra ele, como é o caso do PSDB e dos demais partidos, digamos, profissionais, não há que falar em fidelidade partidária. Mas se dá valor ao programa, surge aí a razão da fidelidade partidária: em questão programática, que afinal o filiado aderiu ao programa por vontade própria.
O que o PT, seguindo a tradição desastrosa de todas as tendências de esquerda, exige dos seus filiados é que, em nome da fidelidade partidária, exerçam a obediência às opiniões dos indivíduos ocasionalmente reunidos no comando partidário. No caso da CPMF, entre tantos, não havia comprometimento programático. Ou talvez houvesse -a favor de uma contribuição que os mais endinheirados não poderão burlar e que não os beneficiará, mas, até prova em contrário, aos de menos ou nenhuma posse.
A imposição de fidelidade partidária quando não há questão programática é, nem mais nem menos, autoritarismo. E, antepondo-se à consciência e aos princípios individuais, à própria liberdade de pensamento, não tem como conviver com a idéia de democracia. É contra ela. Verdade que não se aplica só ao PT. E que se afirma, imbatível, de cada vez que alguém, no Congresso, no quartel ou em outro qualquer lugar, prefere a fidelidade à sua consciência e aos princípios.

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