São Paulo, domingo, 14 de julho de 1996
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Havelange lança 'escola para dirigentes'

JOÃO CARLOS ASSUMPÇÃO
DO ENVIADO AO RIO

CONTINUAÇÃO da entrevista com João Havelange, à pág. 4-1

Folha - Os europeus pretendem realizar a Copa de 2006 na Inglaterra ou na Alemanha. O senhor já declarou várias vezes que era favorável à Copa na África. A Copa de 2006 será na Europa ou na África?
Havelange - Na África. A Copa do Mundo é rotativa, num revezamento entre os continentes.
A Europa abrigará a Copa de 1998, a de 2002 será na Ásia, a de 2006, na África, a de 2010, na América do Sul. A Europa terá que esperar por 2014.
Os africanos evoluíram muito no futebol, e a África do Sul tem todas as condições de receber a Copa.
Folha - Qual o senhor considera o maior mérito de sua gestão?
Havelange - A internacionalização do futebol, sua expansão pelo mundo. Antes, ele era mais restrito à Europa e à América do Sul. Hoje está difundido por todos os países.
Quando assumi a Fifa, em 1974, a Copa era disputada por 16 países, depois passou para 24 e agora serão 32.
Fui criticado, algumas pessoas que não tinham o que dizer falaram que era politicagem, o que demonstra uma maldade, uma falta de objetividade, de análise...
Com 16 times, o senhor faz 32 jogos, e o time campeão, 7. Com 24, o senhor faz 52 jogos, e o campeão ainda faz 7. Com 32, serão 64 jogos, mas o campeão continua fazendo 7.
Cadê a politicagem? Aumentamos a alegria, tornamos a festa maior e fomos criticados.
Folha - O senhor se refere a críticas da imprensa?
Havelange - De parte dela.
Infelizmente, não posso fazer nada se alguns jornais paulistas, como a Folha e o "Estado", não gostam de meu trabalho.
Eu morei em São Paulo durante 12 anos. Neste período, só fiz amigos, amigos que tenho até hoje.
Fui presidente da antiga Confederação Brasileira de Desportos, campeão mundial de futebol, bicampeão mundial, depois tricampeão, mas continuaram me criticando.
Prossegui trabalhando, saí em campanha por minha própria conta para a presidência da Fifa e diziam que eu estava passeando.
Acabei sendo eleito, para minha felicidade e para infelicidade, talvez, de alguns jornalistas da Folha e do "Estado". Quem mais me maltratou foi a imprensa brasileira.
O que me magoa é que feitos de suma importância que a Fifa vem realizando não são noticiados no Brasil.
Folha - Por exemplo?
Havelange - O trabalho social da Fifa, nossa preocupação com a criança.
Criamos o SOS Crianças do Mundo, um fundo para atender a crianças desvalidas.
Já fui a 186 países filiados à Fifa, pelo menos três vezes em cada um deles. O senhor não pode imaginar a tristeza que se vê pelo mundo.
Este fundo já está instalado em 182 países. Para crianças que não têm pai, não têm nada, queremos dar moradia, dar alimentação e incentivá-las a praticar futebol.
O sorteio para a formação dos grupos da Copa da França será em Marselha, em 1997, num estádio para 60 mil pessoas.
O senhor sabe quantas crianças estarão presentes? 40 mil. Minha administração é voltada para o futuro, para a criança.
Folha - O trabalho do senhor é mais reconhecido no exterior do que no Brasil?
Havelange - O Brasil deveria se orgulhar de ver um brasileiro como presidente da Fifa, mas realmente lá fora reconhecem mais meu trabalho. No exterior, chegaram até a cogitar meu nome para o Nobel da Paz.
Eles reconhecem o esforço da Fifa de integrar o mundo pelo futebol, de tratar todos os países sem preconceito, sem discriminação.
Recentemente, por exemplo, filiamos mais seis países, incluindo a Bósnia. Queremos fazer do futebol um instrumento da paz.
Folha - O senhor merece o Nobel da Paz?
Havelange - Não sou eu quem tem que avaliar o trabalho da Fifa, mas, como o senhor vê, o social é uma preocupação nossa. Procuramos fazer do futebol um instrumento da paz.
Folha - No Brasil, discute-se muito a não-profissionalização dos dirigentes de futebol. Como o senhor vê a questão?
Havelange - Na Fifa, procuramos dar o exemplo.
Em setembro, lançaremos uma universidade para dirigentes de futebol. Será em Neuchâtel, na Suíça, num antigo castelo.
As aulas serão em quatro línguas: inglês, francês, alemão e espanhol. Teremos um patrocinador, que receberá uma verba fixa para gerenciar a universidade, contratar professores, conferencistas...
Serão ministrados cursos de especialização de seis a nove meses para pessoas que queiram administrar clubes de futebol, federações, confederações... Será o meu legado ao futuro do futebol.
Aliado à universidade, teremos um centro de pesquisa, que nos dará todo o embasamento para discutir mudanças no futebol.
Nada pode ser feito amadoristicamente hoje em dia. O senhor, por exemplo, sabia que um juiz corria 6 km por jogo na Copa de 70 e passou a correr 15 km em 94?
Dados assim, empíricos, levam a mudanças no treinamento da arbitragem, na determinação da idade máxima para um juiz poder apitar.
Folha - O senhor tem acompanhado o futebol norte-americano?
Havelange - Com muito orgulho. O futebol feminino nos EUA já era uma realidade, mas, depois da Copa, o masculino também virou.
O Campeonato Norte-Americano de Futebol tem média de público superior à de muitos países.
Quando indicamos na Fifa os EUA como sede da Copa de 94, fui atacado como se fosse um imbecil. Diziam que eles não tinham isso, não tinham aquilo, que os estádios não lotariam...
Inovamos com a Copa nos EUA, e a história mostrou que estávamos certos. Foi a melhor Copa de todos os tempos.
Folha - O Brasil investiu cerca de US$ 5 milhões para tentar o ouro no futebol em Atlanta.
Em outras Olimpíadas, os brasileiros não valorizavam tanto o futebol. O investimento, desta vez, foi proporcional à importância do evento?
Havelange - Como o Brasil nunca foi campeão olímpico de futebol, vale a pena investir no ouro.
Folha - A que modalidades o senhor vai assistir?
Havelange - O remo, uma competição vibrante, muito bonita, e o futebol masculino e feminino.
O feminino será preliminar de alguns jogos do masculino, exceto quando jogarem as norte-americanas, que atraem muita gente.
O senhor sabia que há 30 milhões de moças jogando futebol? É resultado do trabalho que fazemos na Fifa. Quando assumi, em 1974, havia duas competições: a Copa do Mundo e o o futebol masculino na Olimpíada. Hoje tenho 11 competições organizadas pela Fifa.
Uma delas, que pouca gente sabe, é o Mundial de Futsal, que acontece na Espanha, no final de novembro. Os ginásios para 10 mil ou 12 mil pessoas ficam lotados e países com pouca tradição no futebol estão se desenvolvendo bem, como é o caso do Irã.
Folha - Com relação à televisão, existe a possibilidade de a Copa de 2002 ou de a de 2006 ser no sistema "pay-per-view"?
Havelange - De maneira alguma. Desde que eu estou na Fifa, o ponto principal é a divulgação do futebol por todo o mundo. Um jogo em Nova York, pela televisão, o senhor vê numa palafita na Amazônia, em Sri Lanka, em Ruanda...
O sistema "pay-per-view" elitiza o esporte. Só o rico tem acesso ao espetáculo, e o futebol é da massa.
O contrato com a televisão já foi feito, e o "pay-per-view" não entra, não entendo de onde tiraram esta história. E o valor do contrato, aliás, foi estupendo, ultrapassa a casa de US$ 2 bilhões.
Folha - O senhor é a favor da extinção do carrinho no futebol?
Havelange - O carrinho, o árbitro não pode deixar de punir, tem que botar para fora o infrator, a lei é clara.
Folha - E a morte súbita?
Havelange - A morte súbita, ou o "golden gol", como preferem alguns, pode gerar violência, já tem gente que acha que deveria acabar. Mas aí entra aquela história: pênaltis na Copa muita gente critica. Agora a crítica passa para o "golden gol". É difícil contentar todos.
Folha - O senhor será candidato à reeleição em 1998?
Havelange - Fui candidato apenas uma vez, em 1974. Nas outras vezes, fui solicitado a continuar. Se for solicitado em 1998, ótimo. Caso não seja, volto para casa com a convicção de ter feito um bom trabalho.

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