São Paulo, domingo, 14 de julho de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Reunião marca revolução no combate à Aids

JAIRO BOUER
ENVIADO ESPECIAL A VANCOUVER

Estudos divulgados na semana passada confirmaram a revolução do tratamento da Aids prometida pelos novos coquetéis de drogas.
A virada definitiva na luta contra a Aids ocorreu durante a 11ª Conferência Internacional de Aids, encerrada anteontem no Canadá.
Pela primeira vez desde o início da epidemia, há 15 anos, os pesquisadores puderam apresentar perspectivas animadoras para soropositivos ou pessoas já doentes de Aids: o vírus foi eliminado no sangue de pessoas que iniciaram o tratamento até 90 dias depois de terem sido contaminadas pelo HIV.
Os responsáveis pela reviravolta são drogas contra o vírus chamadas inibidores de protease, mais potentes que os antigos antivirais (leia nesta página), a melhor terapia disponível contra a doença.
Em agosto, o primeiro paciente que teve o vírus zerado no sangue completa um ano de terapia combinada e vai ter um gânglio retirado para exame das suas células. Se não houver nenhum sinal da presença do vírus, esse paciente pode estar muito perto da "cura".
"Velha guarda"
Para as estrelas da "velha guarda" de cientistas a vitória final contra o vírus virá da pesquisa básica: o desenvolvimento de vacinas e de terapias mais "naturais".
Isto é, esses pesquisadores pretendem fortalecer diretamente o sistema de defesa do organismo contra doenças, que é destruído pelo HIV. Os novos coquetéis de drogas agem diretamente contra o vírus -fazem o caminho inverso.
Ainda que a linha de pesquisa da "velha guarda" seja fundamental, nomes como Luc Montagnier (primeiro a isolar o vírus), Robert Gallo e Anthony Fauci (que comanda a pesquisa oficial de Aids nos EUA) tiveram espaço relativamente pequeno na conferência dos inibidores da protease, como ficou conhecida a reunião do Canadá.
Problemas
Apesar da esperança, estimulada pela promessa de cura à vista para alguns casos da doença, a maioria dos pacientes vai ter de aprender a conviver com a Aids como uma doença crônica e controlável -expectativa ainda otimista.
Além disso, com as novas drogas, surgiram problemas inéditos para doentes, médicos e governo.
O tratamento com esquema tríplice é ainda muito recente -o paciente mais "velho" se trata há pouco mais de dois anos. Ninguém sabe ainda qual a toxicidade desses medicamentos a longo prazo.
A terapia exige que os pacientes tomem uma quantidade enorme de comprimidos todos os dias (de 12 a 20), façam controles laboratoriais trimestrais e ainda tenham de suportar efeitos colaterais desagradáveis: náuseas e vômitos.
Como tratar
Para os médicos, o grande problema é a decisão de quando iniciar o tratamento com o coquetel. Na conferência do Canadá, apareceram duas correntes opostas.
Para o cientista David Ho, a maior "estrela" de Vancouver, o melhor recurso tem de ser usado o mais rápido possível.
"Em qualquer outra infecção, não se espera o paciente piorar para usar o melhor remédio. Trata-se o mais rápido e da melhor forma possível. Com o HIV, a história não pode ser diferente", diz ele.
Outros especialistas, como Scott Hammer, da Universidade Harvard, preferem ser mais cautelosos. Segundo eles, já se sabe que o HIV pode ficar resistente (não ser mais afetado) a qualquer medicamento. "Por que seria diferente com o coquetel?", perguntam.
Por enquanto, esses médicos preferem aplicar terapias que reduzam a quantidade de vírus, mas que poupem, no primeiro momento, o inibidor de protease (em se tratando de pacientes que não estejam piorando).
A idéia é não "queimar" o melhor recurso logo de cara e poder guardar o "trunfo" para quando ele for realmente fundamental.
Mas o grande limite no uso dos inibidores deve ser mesmo o preço da medicação: 90% dos casos de Aids estão hoje nos países em desenvolvimento.

Texto Anterior: Tornado tem boa bilheteria
Próximo Texto: Saiba como a nova droga age contra a doença
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.