São Paulo, terça-feira, 16 de julho de 1996
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Indústria e macacos em lojas de louças

ALOYSIO BIONDI

Neste exato momento, representantes dos governos dos EUA e do Japão estão reunidos do outro lado do planeta, para duras discussões.
Assunto: os EUA querem que empresas norte-americanas entrem no mercado de informática e de seguros no Japão. O governo japonês não deixa.
As negociações não são nenhuma novidade: mitificado durante anos como um exemplo para o mundo, o Japão não desenvolveu suas empresas e criou empregos apenas por "genialidade" ou "criatividade".
Na verdade, o Japão adotou uma política protecionista sem limites, como todos os setores fechados à instalação de empresas estrangeiras, ou mesmo à venda de produtos estrangeiros.
Há pelo menos 25 anos, os EUA esperneiam, protestam, negociam: o Japão vai abrindo seu mercado a conta-gotas, liberando um pouquinho de cada setor a cada um ou dois anos e -atenção- sempre exigindo alguma coisa em troca. Mesmo porque os EUA são também altamente protecionistas.
A persistência das negociações Japão-EUA merece reflexão por parte de classe média e povão brasileiros. Ela desmente que a "globalização", o escancaramento dos mercados de forma indiscriminada seja um fenômeno a que todos os países estão se curvando sem negociar.
A insistência com que esses mitos, ou mentiras, foram repisados no Brasil nos últimos anos transformou-se em um verdadeiro processo de "lavagem cerebral", convencendo a opinião pública de que as empresas nacionais são sempre ineficientes, os empresários são sempre larápios e que a única solução é a "abertura" total às importações e investimentos estrangeiros, para que o consumidor seja beneficiado com produtos mais baratos e modernos.
Graças a essa "lavagem cerebral", as equipes econômicas, desde o governo Collor, puderam adotar políticas de abertura de mercados que estão destruindo milhares de empresas e milhões de empregos no país.
Qual macacos em lojas de louças, reduziram em demasia os impostos sobre as importações, não criaram políticas de crédito para enfrentar os juros externos e, pior ainda, não montaram sistemas de fiscalização para evitar a venda de mercadorias a preços de dumping, abaixo mesmo do custo, por outros países.
Um dia, quando se livrar da "lavagem cerebral", a sociedade brasileira vai entender o monstruoso custo dessa pretensa modernização em termos de empregos perdidos, empresas quebradas, patrimônios destruídos, impostos não-arrecadados e "torra" de bilhões de dólares.
Por enquanto, persiste a incompreensão da realidade. Basta ver a reação às medidas adotadas pelo novo ministro da Indústria e do Comércio ao elevar o Imposto de Importação sobre brinquedos e mais uma dúzia de outros produtos.
A decisão detonou novo debate irracional, em que o governo é acusado de uma "volta ao protecionismo". Na verdade, ao corrigir rumos, o governo FHC toma sua primeira decisão acertada.
Devastação
Foi inexplicável a redução de impostos (tarifas) de importação promovida pelas equipes econômicas. Hoje, a tarifa média do Brasil é de 12,5%. Japão e "tigres asiáticos" cobram mais, isto é, protegem mais seus produtos: de 17% a 18%, conforme reportagem da jornalista Denise Marin publicada nesta Folha (06/07/96).
Destruição
O massacre da indústria e agricultura brasileiras fica ainda mais claro quando se compara a tarifa modal, isto é, o imposto que determinado país cobra sobre o maior número de produtos importados. O Brasil cobra 2%, na maioria dos casos. O Japão, 15%. A Coréia, 20% (dez vezes mais...).
Arrombamento
Há mais: o governo brasileiro não montou sistemas de fiscalização para impedir que os importadores, em conluio com os exportadores, paguem impostos ainda mais baixos -e "barateiem" o produto. Para isso, basta declarar um preço mentiroso na importação.
Exemplo: suponha-se um produto importado que custe cem, com tarifa de 20%: seu custo total será de 120. Se o valor declarado for apenas 50, a tarifa de 20% será igual a dez, e o preço final ficará em 110 para o importador.
Indefeso
Inibido, aparentemente, pelo processo de "lavagem cerebral" da sociedade, o empresariado brasileiro não tem usado com a intensidade necessária os canais de comunicação para mostrar a verdade à classe média e ao povão.

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