São Paulo, quinta-feira, 18 de julho de 1996
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"O Ébrio" volta às telas 50 anos depois

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Vicente Celestino tinha uma voz tão forte que no tempo do onça -quando os cantores eram obrigados a se esgoelar diante do microfone para que a música fosse devidamente gravada- os técnicos usavam com ele um procedimento diferente. Pediam que fosse até o fundo da sala e cantasse virado de costas para o microfone.
Era um ídolo, e sua interpretação de "O Ébrio" foi um sucesso por décadas. Nada mais natural que sua mulher, a atriz e escritora Gilda de Abreu, realizasse um filme baseado na história da música: a do homem que, por causa da mulher que o abandonou, torna-se alcoólatra e arruina a própria vida.
Foi um fenômeno com as proporções de "Dona Flor e Seus Dois Maridos" (76). Em comemoração aos seus 50 anos, o filme passa hoje e amanhã no MIS, às 20h. Hoje, um debate com Marlyse Meyer, Ismail Xavier (da ECA/USP) e Alice Gonzaga (da Cinédia, produtora do filme) precede a exibição.
Como a voz de Vicente Celestino, o filme hoje é uma curiosidade antropológica. Enquanto o personagem vai de garrafa em garrafa, à espera do momento de entoar a música, o filme vai aos tropeções.
Os excessos do melô podem ser creditados à época. Basta ouvir Caetano cantando "Coração Materno" para perceber que certas músicas de Celestino são pertinentes para sobreviver a seu tempo, desde que interpretadas de acordo com uma sensibilidade moderna.
Na época, a revista "Cena Muda" falou em realização esmerada e preocupada com a beleza. O fato é que o filme se ressente de uma construção mais sólida e se apóia basicamente no carisma do cantor.
Como ator, Vicente lembra a escola portuguesa de interpretação -tão antiquada que seus avanços recentes parecem ser do tempo em que Viriato, o líder lusitano, combatia o Império Romano.
"O Ébrio" foi o primeiro de uma série de três filmes realizados por Gilda de Abreu. Depois vieram "Pinguinho de Gente" (1947) e "Coração Materno" (1949).
Assistir a "O Ébrio" é um exercício de reencontro com o passado do Brasil e seu cinema. Não com o que tinham de mais sofisticado, mas com o sentimentalismo e a ingenuidade que ainda hoje batem fundo na "alma popular".
Essa entidade é mutante. Pode ser reencontrada em pornochanchadas dos anos 70 ou em novelas de TV. Estão transfiguradas, certamente, mas a mentalidade que "O Ébrio" exprime ainda está longe de ter sido ultrapassada.

Filme: O Ébrio
Produção: Brasil, 1946
Direção: Gilda de Abreu
Com: Vicente Celestino
Onde: MIS (av. Europa, 158, tel. 011/852-9197, Jardins, zona oeste)
Quando: hoje e amanhã, às 20h; grátis

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