São Paulo, sexta-feira, 19 de julho de 1996
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Estreante define cultura inglesa com veneno

LEON CAKOFF
ESPECIAL PARA A FOLHA

A cultura do veneno está mais para o cinema inglês do que os maneirismos exigidos pelo revólver no cinema americano. Esta foi a observação de Benjamin Ross quando começou a esboçar o roteiro do seu primeiro filme.
Preocupado ainda em marcar a sua estréia como cineasta londrino, ele foi buscar um caso verídico escabroso, envolvendo um adolescente de 14 anos, preso depois de matar a madrasta com uma lenta e sádica dosagem diária do venenoso metal pesado tálio.
Transformado em caso clínico irreversível e trancado em uma instituição para criminosos mentalmente perturbados, o assassino ganha a simpatia de um psiquiatra.
Como um bom advogado de defesa, o psiquiatra força a redenção do seu paciente. A recaída do envenenador passa a ser apenas mais uma questão de tempo.
"O Livro Secreto do Jovem Envenenador" revela um novo diretor inglês, próximo do requinte visual de Terence Davis e com a energia de sucata literária.
O ambiente claustrofóbico da família do psicopata, bem como as fórmulas químicas, permite destilar ódios particulares. Contra a madrasta que reprime suas obsessões, contra a irmã que vigia os seus passos e, principalmente, contra o meio operário que zomba do seu talento científico.
O estreante quer ser intérprete de uma perversão mais generalizada. Disse que estava convencido, como o personagem psiquiatra, da erudição criativa do criminoso.
Segundo Ross, Graham Young, nome verdadeiro do personagem que o filme não omite, representava uma predileção dos ingleses pelo emprego do veneno.
Além de o filme recontar uma história verídica, ele tenta esboçar uma nova estética da violência, com veneno em doses homeopáticas. Mas os requintes de sadismo continuam exigindo muito estômago dos espectadores.
O cinema inglês continua cativo da carga repressora da era vitoriana. Faz disso o seu principal gênero, visível mesmo em filmes de estreantes. É um jeito de se distinguir do cinema americano.
Mas Ross, ex-aluno de Kusturica, parece tomado por uma outra perigosa máxima do seu mestre. Saboreia a violência como uma fatalidade. Foi o que Kusturica disse sobre o seu "Underground": que a guerra (da Iugoslávia) era uma fatalidade que deveríamos aceitar como a de um terremoto...

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