São Paulo, sexta-feira, 19 de julho de 1996
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Autor fascina sem fanatismo

EDUARDO SIMANTOB
DA PUBLIFOLHA

Paulo Coelho, 46, é católico apostólico romano. Mesmo não sendo um teólogo, estuda atenciosamente a "Bíblia". Mas nas bocas dos livreiros e de milhões de leitores ele é bruxo.
O maior fenômeno editorial do país reconta em "O Monte Cinco" o exílio do profeta Elias no atual Líbano. Lá Elias sofre a dor da dúvida, à deriva entre a fé no Deus único e a necessidade de infringir Sua palavra em função de urgências terrenas.
O autor diz ter encontrado nessa história a pista para saber como agir diante do inevitável. Descobriu que "às vezes é preciso lutar com Deus".
A tradição hebraica, assim como nos tempos bíblicos, segue basicamente dois códigos de leis: as que regulam as relações do homem com seu semelhante e as que ordenam a relação entre os homens e Deus.
A essência da obra de Coelho recai nessas últimas. Deus e o homem, separados por um abismo que a religião procura transpor como uma ponte.
Poderíamos arriscar que seus livros vendem porque falam de Deus na linguagem simples, que, grossa analogia, os neopentecostais também souberam explorar a seu modo.
E não será inevitável que novamente os doutos lamentem a comunicabilidade de Coelho às massas "que não sabem ler", acusando-o de embuste.
Mas deixemos aos feiticeiros que julguem se Coelho é bruxo ou charlatão. Isso aqui pouco importa. O fato é que ele narra histórias bem digeríveis, sem atletismos literários, conseguindo seduzir leitores em dezenas de idiomas.
Sua reconstituição histórica fica léguas atrás de escritores do porte de um Gore Vidal, "Criação" como exemplo, e sua maneira de recontar a "Bíblia" jamais poderia se comparar ao virtuosismo de um "Evangelho Segundo Jesus Cristo", de José Saramago, que aprendeu a escrever lendo muito James Joyce.
Coelho tem a disciplina de um devoto, não a de um acadêmico, e já teve lá suas lutas com Deus. Foi hippie, diretor de gravadora e brincou bastante com magia negra.
Hoje trocou Aleister Crowley por Mircea Eliade e Joseph Campbell, estuda a "Bíblia" como bom católico e abomina práticas antigas, como drogas. Nada disso é mistério.
Mas já está na hora de parar de lhe perguntar como se faz ventar. E tentar achar em seus livros onde está o segredo que fascina tanta gente sem apelar a fanatismos histéricos.

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