São Paulo, domingo, 21 de julho de 1996
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Especialista aprova troca de US$ 10 bi

Executivo apóia operação proposta pelo BC

FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Um dos maiores especialistas em dívida externa brasileira, Álvaro Simões, 38, considera positiva a troca de US$ 10 bilhões em títulos proposta pelo Banco Central.
Uma das maiores operações com títulos públicos externos desde a renegociação da dívida, a proposta do BC está cercada de dúvidas.
Para Simões, a troca permitirá ao país entrar num mercado virgem para o governo brasileiro: o de investidores que compram papéis de longo prazo para esperar o vencimento e não para especular.
Simões foi um dos responsáveis pela renegociação da dívida brasileira no início da década. Trabalhava em Nova York para o Citibank. Da sua cabeça saíram muitos trechos dos atuais contratos.
Sobre as dúvidas a respeito do sigilo do negócio, recomenda confiar nos técnicos do BC. "Se houver sacanagem o cara vai preso", diz Simões, hoje diretor-gerente da instituição financeira francesa Indosuez, em São Paulo.
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Folha - Como o sr. vê a proposta do BC de troca de títulos da dívida externa em análise no Senado?
Alvaro Simões - Acho que é vantajosa partindo do pressuposto de que se trata de um esforço do governo para atingir investidores com intenção de ficar com o título até o seu vencimento. No caso, a proposta do BC parece que se refere a títulos de 30 anos.
Folha - Como a recompra dos títulos e a emissão de novos papéis beneficiará o país?
Simões - No caso dos bônus que o BC pretende lançar em substituição aos atuais, haverá um ganho para a imagem. Isso ocorrerá porque vai diminuir a dívida negociada com deságio, que tem um efeito-demonstração ruim, e o país entrará num mercado ainda virgem, o dos investidores finais. Vai captar um dinheiro que não está entrando como deveria.
O BC parece querer atingir os maiores pilares das finanças do planeta, os fundos de pensão, os fundos mútuos. É certo que eles detêm alguma coisa da dívida brasileira. Mas têm uma tolerância ao risco desse mercado. Após um certo limite, não investem mais.
Folha - Ou seja, o Brasil está fora, segregado desse mercado porque não tem um instrumento para oferecer de longo prazo e seguro?
Simões - Exatamente. Seguro, quer dizer que não vai mostrar volatilidade. Que o preço não vai ficar variando loucamente no mercado secundário. Alguma volatilidade sempre terá, como têm os bônus do Tesouro dos EUA. Mas é algo muito mais previsível.
Folha - O Brasil tem colocado alguns bônus novos no mercado internacional, com muito sucesso. Não seria uma boa saída, em vez de trocar a dívida velha?
Simões - O governo ainda não desenvolveu uma presença grande no mercado menos volátil. As emissões de sucesso são de prazos curtos e volume relativamente pequeno. Se o Brasil tentasse vender US$ 10 bilhões de novos bônus de 30 anos, teria dificuldade.
Folha - No caso da operação que o BC sugeriu, o exemplo enviado ao Senado é bom para o país?
Simões - Olhando isoladamente alguns números dá a impressão que não é vantajosa. Mas é importante olhar o contexto geral, daí a coisa muda de figura. O país paga 5,91% de juros sobre o papel que o BC sugeriu no seu exemplo. O novo papel pagará 13% ao ano. Logo, pode-se concluir, é ruim. Só que o valor de face da dívida vai cair de US$ 1,7 bilhão para US$ 1 bilhão.
Folha - Mesmo assim, a despesa será maior no caso do papel com juros de 13% ao ano...
Simões - Sim, mas você está desconsiderando que o país resgataria cerca de US$ 230 milhões que estão empenhados como garantia do pagamento desse US$ 1,7 bilhão. É uma vantagem adicional.
Folha - O que acha de obrigar o BC a fazer a operação considerando o deságio médio do papel nos seis meses anteriores à operação?
Simões - Arbitrar o deságio é fazer o BC tornar público o preço que vai se obrigar a comprar o título. Você está botando o BC para jogar com desvantagem.
Folha - O sr. acha melhor deixar o BC livre para fazer a operação?
Simões - Com certeza. O BC vai operar e a sociedade fiscalizar. Não dá para o Senado operar com o BC.
Folha - Como é possível saber que não houve má fé?
Simões - Como em qualquer outro país: se houver sacanagem o cara vai preso. Tem que haver punição exemplar. É a única maneira.
Folha - O senador Roberto Requião sugere que só possam participar empresas que não possuam títulos da dívida...
Simões - Aí é muito difícil. O governo estaria lidando com gente sem a devida competência. Se a pessoa não conhece o mercado, não trará experiência para o BC.
Folha - O BC quer trocar US$ 10 bilhões. O senador Requião quer limitar a US$ 5 bilhões...
Simões - Um valor de US$ 10 bilhões a US$ 15 bilhões seria o ideal. Quando você entra numa mesa de pôquer, você quer que seu adversário saiba que seu cacife é grande. É a mesma coisa. Limitar o valor deixa o BC em posição defensiva. Esse é um mercado de gente esperta. Todos vão saber até que ponto o BC vai querer participar.

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