São Paulo, quarta-feira, 24 de julho de 1996
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Nem bolha nem casuísmo

ANTONIO BARROS DE CASTRO

Governo, órgãos representativos da indústria e analistas independentes vêm anunciando, desde setembro do ano passado, a retomada do crescimento da economia.
Decorrido, no entanto, quase um ano do esperado início da "terceira fase" do Real -supostamente caracterizada pelo crescimento moderado, porém firme e sustentável- os sinais da economia mantêm-se, no mínimo, contraditórios.
Não há como negar que o fundo do poço, atingido aí por agosto de 1995, foi superado. Daí, porém, a dizer-se que a economia tenha ingressado numa rota de crescimento vai uma enorme distância.
O que se viu até o presente foi uma tímida e hesitante recuperação. E isso não obstante a superação do "efeito tequila" (em mais de um sentido, até mesmo pelo México!), a devolução de parte substancial dos depósitos compulsórios, os sucessivos estímulos concedidos ao crédito de consumo -mecanismo reconhecidamente potente de reativação da demanda- e o verdadeiro coro de vozes que, a cada anúncio de um novo investimento estrangeiro, comemora o retorno do crescimento.
Mais recentemente, alguns analistas começaram a desconfiar que a insistência na melhoria das condições de crédito poderia engendrar um ciclo -alguns diriam bolha- de natureza semelhante àquele que marcou a primeira fase do Real.
Obviamente, não haveria como repetir-se uma explosão de consumo de proporções similares à ocorrida no segundo semestre de 1994. Afinal, a euforia acarretada pelo tombo da inflação já ficou para trás.
Além disso, as pessoas e empresas estão mais endividadas, menos propensas a assumir riscos -e, sobretudo, o sistema bancário tornou-se muito mais cauteloso (e vulnerável). Como, por outro lado, as notícias procedentes da balança de comércio nada têm de animadoras.
A conclusão a que se chega é que, a pouco correr, o movimento expansivo da economia teria, mais uma vez, de ser travado. Não existiriam, em suma, as condições e o ânimo microeconômico -nem tampouco o fôlego macroeconômico- para a retomada do crescimento.
A relutância da economia em trilhar o caminho do crescimento deve, no entanto, ser entendida como resistência saudável.
Isso porque, travadas as exportações pela apreciação cambial e os investimentos pelos elevados juros e pela incerteza reinante, o crescimento tenderia a provir de insensata disposição das empresas e famílias para endividar-se -e dos bancos para dar rédeas a esse movimento.
Caso isso ocorresse, os gestores da política econômica não poderiam senão colocar novas barreiras ao avanço da economia, buscando impedir -em tempo hábil- séria deterioração das expectativas acerca da sustentabilidade do programa.
O que precede pretende deixar claro que a tendência a alterar ou, melhor dito, definir um caminho para o crescimento (que até recentemente, por suposição, haveria de nascer espontaneamente do mercado) tem amplas razões de ser.
Mais concretamente, a eleição das exportações e do investimento como motores do crescimento (implicitamente, em substituição ao crescimento puxado pelo consumo) é, de fato, desejável. Duas importantes ressalvas devem, no entanto, ser feitas.
Uma coisa é basear o dinamismo das exportações em estímulos e programas especiais destinados a compensar o atraso cambial, bem como outros problemas de natureza tributária. Outra, muito diferente, é conceder determinados estímulos em função de uma estratégia de crescimento que tenha por trás de si uma posição cambial e fiscal tida como sustentável.
Nesse último caso, os estímulos são acrescentados a um marco de referência definido pelos regimes cambial e fiscal.
Cabe, incidentalmente, acrescentar que o dinamismo das exportações chilenas tem em sua origem uma sequência de desvalorizações à qual se seguiu a adoção (e o aperfeiçoamento) de um regime cambial amplo e consensualmente aceito como adequado aos objetivos do país.
A segunda grande ressalva consiste em que o crescimento centrado nas exportações e nos investimentos conspira, a curto prazo, pelo menos, contra a melhoria das contas fiscais.
E isso tanto pelo menor coeficiente de arrecadação que há de ser esperado de um crescimento em que o consumo final perde peso relativo quanto porque, submetidos às agruras da competição em regime de abertura e câmbio defasado, os setores de bens comercializáveis não-favorecidos por programas especiais dificilmente escaparão à compressão dos lucros.
Os tratamentos especiais devem, em suma, ser acrescentados a situações basicamente sólidas. Caso contrário, não alcançarão a aceitação e a credibilidade de que necessitam para produzir os efeitos benéficos que deles se pode esperar.

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