São Paulo, quarta-feira, 24 de julho de 1996
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A operação BB-Cecrisa

LUÍS NASSIF

A tentativa de tratar como escândalo a operação entre Banco do Brasil e Cecrisa -de transformação de dívidas em debêntures- vai integrar o longo inventário de avaliações equivocadas que têm povoado a mídia nos últimos anos.
Trata-se de avanço fundamental no relacionamento entre bancos e empresas.
O que está ocorrendo?
Para conferir fôlego às empresas e recuperar o dinheiro emprestado, alguns bancos estão transformando as dívidas em investimentos.
É prática saudável, que permite ganhos para ambas as partes.
No caso da Cecrisa, optou-se por debêntures conversíveis em ações preferenciais. São papéis de dívida, com juros e correção, que, ao final, permitem ao investidor optar entre receber o dinheiro (com juros) ou receber em ações.
Se a empresa em questão for sólida e apresentar boas perspectivas de crescimento, a debênture é muito melhor para o banco do que um empréstimo convencional.
Para a empresa, a operação é relevante porque limpa seu balanço de passivos e torna o banco parceiro para investimentos futuros.
Renegociações
A Cecrisa é um gigante da área de cerâmica. É considerada a maior fabricante mundial do setor. Tem faturamento anual da ordem de US$ 200 milhões.
Nos últimos anos, passou por profundo processo de reestruturação -incluindo uma concordata- no qual um dos itens importantes foi o da renegociação dos passivos.
Dentro dessa estratégia, apresentou a credores a proposta de trocar as dívidas não incluídas na concordata por debêntures conversíveis. O primeiro a aderir foi o Bradesco. O banco procedeu a uma avaliação econômica da companhia, acreditou no seu desempenho, e aceitou transformar US$ 11 milhões em debêntures conversíveis em ações preferenciais. A operação foi fechada em dezembro. Como o Bradesco não rasga dinheiro, e nos últimos anos praticou de maneira consistente essa política, presume-se que, ao aceitar a proposta, estava atrás de bons negócios.
Na mesma época, a Cecrisa procurou o BB com a mesma proposta. A dívida com o BB era menor -US$ 8,5 milhões. O BB usou a mesma avaliação econômica feita pelo Bradesco, os mesmos documentos, mas acrescentou exigências adicionais.
Fez sua própria avaliação, encomendou uma à Coopers, e exigiu que as debêntures fossem de emissão aberta.
Na emissão privada, a empresa pode continuar sendo uma empresa de capital fechado. Na emissão aberta, a empresa é obrigada a abrir capital. Há todo um processo de inscrição na Comissão de Valores Mobiliários, de contratação de firmas de auditoria e de prestação de contas aos acionistas.
Contratos
O contrato foi assinado em dezembro. Por ele, o BB dava prazo até 30 de junho para a Cecrisa completar o processo de abertura de capital -que costuma ser demorado. Findo o prazo, a Cecrisa era uma companhia de capital aberto e a operação foi concretizada.
Fez-se o escândalo, porque o ministro do Planejamento, Antonio Kandir, antes de assumir o ministério, era conselheiro da Cecrisa.
As negociações foram assinadas em dezembro passado, quando Kandir nem sequer era cogitado para ser ministro. Se a operação fosse ruim, o Bradesco não teria aceitado. Debêntures de boas empresas são melhores do que empréstimos.
De nada adiantaram essas evidências. Transformou-se em escândalo operação que deveria ser estendida a muitas outras empresas.
Para a economia brasileiro, conseguiu-se que uma companhia familiar, de capital fechado, se tornasse uma companhia aberta, profissionalizada, com a obrigação legal de prestar conta de seus atos para o público, e tendo como acionistas pesos-pesados com bala na agulha para financiar todos seus projetos de expansão.
Conseguiu-se, também, ampliar-se uma belíssima alternativa de desenvolvimento, de bancos de peso deixarem de lado a visão meramente bancária por uma estratégia de parceria em investimentos -característica presente no sistema bancário de todos os países avançados do mundo.
Houvesse mais familiaridade com o tema, denunciados deveriam ser os bancos que não aceitassem propostas dessa natureza.

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