São Paulo, quinta-feira, 25 de julho de 1996
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Déficit público e inflação

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

No Brasil, a contribuição dos economistas -coadjuvados pelos jornalistas econômicos- tem sido, muitas vezes, a de desorientar a opinião pública. Isso acontece por diversos motivos.
O mais evidente, e talvez mais importante, é que no campo da economia, especialmente no debate sobre política econômica, ciência e ideologia se misturam de forma inextricável.
Outro motivo é que a economia é uma disciplina repleta de sutilezas e incertezas, campo fértil para mal-entendidos de todo o tipo. Ora, o público em geral detesta incertezas e não tem tempo para sutilezas.
Os economistas adaptam, então, o produto à demanda. Produzem as simplificações mais espantosas; propagam explicações incompletas e dão curso a falácias e fantasias variadas.
O resultado é uma confusão geral e permanente.
Vejam, por exemplo, a questão do déficit público e sua relação com a inflação. Façam um pequeno esforço de memória. Qual era a visão dos formadores de opinião econômica sobre o tema dois anos atrás, na época do lançamento do Plano Real?
A virtual unanimidade era a de que a situação fiscal era frágil e que qualquer tentativa de desindexação e reforma monetária teria vida curta se não fosse acompanhada de um grande ajustamento das contas públicas. A equipe econômica do governo endossava essa retórica.
Pois bem. A esta altura, o leitor perspicaz já terá percebido que as unanimidades entre economistas são de uma burrice exemplar, talvez inigualável. Pensar é cansativo; ninguém gosta. "Eu conquistei a celebridade internacional", declarou Bernard Shaw, "pensando três vezes por semana".
Como se sabe, de 94 para 95 verificou-se deterioração fortíssima nas contas públicas. De acordo com dados oficiais, a razão déficit operacional/PIB aumentou nada menos que 6,3%.
Em 96, ainda não temos sinais claros de progresso nessa área. No período janeiro-maio, o déficit operacional do setor público como um todo (inclusive empresas públicas e governos estaduais e municipais) foi de 3,1% do PIB, contra 1,4% em igual período de 95. O superávit primário (isto é, o resultado exclusive juros da dívida pública) alcançou 0,6% do PIB de janeiro a maio, contra 3,4% em igual período de 95.
Não obstante, o Plano Real continua sendo o mais bem-sucedido programa de combate à inflação dos últimos 30 anos no Brasil. A inflação não deu, até agora, nenhum sinal de reversão da tendência de queda.
Como fica a unanimidade de dois anos atrás? O público leigo poderia até ser levado a concluir (erradamente) que o ajustamento fiscal é irrelevante para o combate à inflação.
A verdade é que a ligação entre déficit fiscal e estabilização monetária, sobretudo no curto e médio prazos, é mais tênue do que frequentemente se supõe.
Ela depende, por exemplo, da existência ou não de capacidade ociosa na economia e da política monetária praticada pelo Banco Central (BC). Depende, também, da disponibilidade de financiamento interno e externo ao setor público.
A história econômica mundial apresenta várias experiências de estabilização vitoriosas em que desequilíbrios fiscais de grandes proporções foram acomodados, durante algum tempo, por financiamento internacional ou renegociação generosa de dívidas externas preexistentes.
Contudo, o acesso a financiamento é, em geral, apenas uma forma de ganhar tempo. A estabilização pode começar sem o ajustamento das contas públicas, mas a sua consolidação depende, em grande medida, desse ajustamento.
Quanto tempo pode durar um programa de combate à inflação submetido a fortes desequilíbrios fiscais e financeiros?
É impossível prever. O que se pode dizer é que o risco é maior em casos como o do Brasil, onde o financiamento do desequilíbrio vem se fazendo, em grande medida, por meio da acumulação de passivos de curto prazo.
Em termos nominais, a dívida em títulos federais (exclusive papéis na carteira do BC) cresceu nada menos que 122% nos últimos 12 meses, passando de R$ 69,5 bilhões, em junho de 95, para R$ 154,3 bilhões, em junho de 96. No caso dos títulos de emissão do Tesouro, o prazo médio vinha oscilando entre dois e quatro meses no passado recente.
Nesse contexto, o sucesso inicial em matéria de combate à inflação, obtido sem grande esforço fiscal, pode ter o efeito de anestesiar o governo, o Congresso e a sociedade em geral.
Um clima de acomodação geral acabaria levando ao adiamento das medidas politicamente difíceis, mas necessárias para equacionar os desequilíbrios fiscais e financeiros e dar sustentabilidade ao programa de estabilização.

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