São Paulo, sexta-feira, 26 de julho de 1996
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O câmbio e os erros do presidente

MAILSON DA NÓBREGA

Durante as comemorações dos dois anos do Plano Real, o presidente admitiu ter falhado, em certa época, na política cambial. Foi um erro. Os críticos pediram imediatamente a correção do câmbio. Como julgam que estavam certos antes...
Governos não fazem "mea culpa" em matéria cambial. Aceita-se até que mintam em certas circunstâncias, como no caso do ministro inglês que negou a desvalorização da libra quando já se decidira que isso aconteceria no dia seguinte.
A visão dos críticos da política cambial, mesmo quando válida, é apenas uma parte dos fatores que o governo considera, até porque costuma incorporar boa dose de subjetivismo.
Por exemplo, qual é a defasagem cambial neste momento? Em relação a quê? De quando para cá? Leva em conta o aumento de produtividade?
Fala-se em defasagem de 40%, 30%, 20%, 15%, 10% e até menos. O economista Ilan Goldfajn, citado por Celso Pinto, menciona 21%, ou 14% em um cálculo mais refinado.
A taxa de câmbio adequada é a que permite o equilíbrio intertemporal do balanço de pagamentos. Por aí não haveria problema no momento, pois o país está acumulando reservas em proporções até preocupantes.
Diz-se, entretanto, que isso é feito com capitais de curto prazo, gerando perigosa fragilidade, que pode levar-nos ao caminho mexicano.
Não parece ser o caso. Neste ano, o investimento direto estrangeiro pode financiar 40% do déficit em transações correntes, contra 17% em 1995.
A relação reservas/M4 é de 22% no Brasil. No México, era de 9% em setembro de 1994, três meses antes da crise. Seria remoto, assim, o risco de um ataque especulativo que provocasse uma forte desvalorização de emergência.
No México, o uso do câmbio para combater a inflação trouxe crescimento com déficit explosivo em transações correntes (8% do PIB em 1994). No Brasil, esse déficit em 1995 foi de 2,6% do PIB; neste ano, deve chegar a cerca de 2%.
A política cambial brasileira tem contribuído para acelerar as transformações estruturais em curso na economia e para romper posturas acomodatícias do empresariado, induzindo-o à busca de eficiência.
A valorização cambial poderia, assim, ser compensada por elevação da produtividade nas empresas e pela redução do chamado "custo Brasil": desoneração de tributos na exportação, eliminação de cunhas fiscais no mercado financeiro e melhoria dos atuais serviços do governo, via privatização e concessões.
Isso ocorreu no Chile, onde, apesar da valorização de 20% nos últimos seis anos, as exportações têm crescido a um ritmo anual de 10%. Não é impossível ao Brasil repetir a experiência.
As diversas visões sobre defasagem indicam a dificuldade de medir a valorização cambial em programas de estabilização.
A tarefa é ainda mais penosa no caso brasileiro, em que a queda súbita da inflação gerou forte e desconhecida diminuição dos custos de transação.
A questão se complica se se consideram fatores de difícil mensuração, tais como ausência de controle de preços, abertura econômica, liberalização cambial, mudanças na atitude paternalista da sociedade e modernização industrial.
Se as visões atuais sobre o câmbio influenciassem o governo, este desvalorizaria, mas se tornaria prisioneiro do processo. Sempre se esperaria pela próxima, pois nem se consegue contentar todos nem ajustes nominais garantem desvalorização real.
Não se pode negar a existência de riscos na política cambial. Por exemplo, o governo pode estar subavaliando os obstáculos às reformas estruturais, sem as quais não haverá a redução do "custo Brasil".
Os riscos são próprios de quem ousa. Se a política estiver baseada em avaliação plausível de seu êxito, o pecado será não aproveitar a chance oferecida pela situação externa e pelas mudanças na economia.
Vale, todavia, manter o alerta sobre a política cambial. Seus riscos aumentarão com a demora nas reformas e se houver equívocos do governo. A CPMF é um erro do presidente, pois ela aumenta, em vez de diminuir, o "custo Brasil". Se houver outros erros...

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