São Paulo, sábado, 27 de julho de 1996
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Brasil se vira para ir à Bienal

CELSO FIORAVANTE
DA REDAÇÃO

Mil caixas de sapatos vazias, mil pares de tênis velhos e pedra de lioz. Mármore de Carrara, plantinhas dormideiras, azeite e água. Látex e ouro. Cerâmicas e cinzas. Sal grosso e lâmpadas de baixa voltagem. Monitores de vídeo, computadores, pratos, porta-retratos e espelhos.
São esses alguns dos materiais que Roberto Evangelista, Nelson Felix, Flávia Ribeiro, Georgia Kyriakakis, Arthur Barrio e Eder Santos (os seis brasileiros selecionados para a seção Universalis da Bienal) estão utilizando nos projetos que desenvolvem para a seção Universalis do evento.
Em sua 23ª edição, entre 5 de outubro e 8 de dezembro, o evento funciona de maneira diferente.
Não são mais três os artistas indicados por país. Apenas um. Mas existem as salas especiais (para artistas como Louise Bourgeois, Anish Kapoor e Wiig Hansen); as mostras de artistas históricos, como Munch, Picasso, Warhol e Basquiat; e os selecionados pelas sete curadorias da Universalis.
Nelson Aguilar e Aguinaldo Farias foram os responsáveis pela seleção brasileira.
Além do prestígio da indicação, os seis artistas receberam um crédito de R$ 5.000, um espaço de cerca de 120 metros quadrados e o tema da Bienal, "a desmaterialização da arte no final do milênio". Com isso devem criar a obra.
Tênis usados
Roberto Evangelista, que trabalha com publicidade e documentários em vídeo, tenta viabilizar a sua com o empresariado.
"Minha instalação se chama 'Ritos de Passagem'. Vou trabalhar com mil caixas vazias de sapato, mil pares de tênis usados e pedras de lioz no meio", disse.
As pedras foram trazidas pelos portugueses e eram usadas no calçamento de Manaus, cidade natal do artista.
"Não sei qual será o custo total da instalação. Estou negociando com empresários de Franca, em São Paulo, para ver se consigo as caixas. Os tênis usados devem vir de uma campanha com empresários e a população daqui."
Quem também vai contar com a ajuda alheia para viabilizar uma instalação com pedras -no caso, mármore de Carrara- é o carioca Nelson Felix.
"Estou importando uma pedra grande e sete pequenas. O custo vai ultrapassar, com certeza, os R$ 5 mil, e a diferença deve ser coberta pelos meus marchands e por um colecionador amigo", afirmou.
Além do mármore, Felix vai utilizar plantas dormideiras, azeite e água. "Vou trabalhar com conceitos, como os vazios do sistema nervoso em áreas da massa encefálica e da medula."
Em uma das peças, a pedra maior vai estar suspensa a milímetros da planta dormideira. Em outras, água e azeite mostrarão uma constante tensão.
"Ao menor toque, a pedra vai pendular e provocar a reação das plantas", diz Felix.
Ouro
A paulista Flávia Ribeiro pretende apresentar duas peças em látex e uma série realizada em ferro ou cobre banhados em ouro e suas ligas (com ouro, zinco e prata). Vai trabalhar com limites, fragilidade e transitoriedade.
"Tanto no látex quanto nas peças fundidas, estou trabalhando com limites, e não apenas do material. Trabalho com a passagem do bidimensional para o tridimensional e com os espaços entre as dimensões", contou Flávia.
Esses conceitos se esclarecem com uma visão das peças ainda em produção. São como longas lanças em cera, que passam por um tanque de areia, recebem o ferro, além de banhos em ouro e ligas.
O interesse de Flávia pelo ouro não é de hoje. Em 1992, quando viveu na Inglaterra, passava horas no British Museum vendo as iluminuras medievais.
"Uso o ouro há muito tempo, talvez pelo interesse que o material desperta como uma metáfora para transformação. Para mim, ele está descarregado de sua carga de informação. Estou mais interessada em sua carga de luz", disse.
Mas, se em sua leitura o ouro não é mais valioso, para o ourives ele ainda é. "Meu galerista está tentando arrumar patrocínio para as obras. Mas, no fundo, somos kamikazes e acabamos nos endividando mesmo."
É o tipo de problema pelo qual Georgia Kyriakakis e Arthur Barrio não devem passar.
A primeira vai realizar uma instalação com cerâmicas e cinzas, sequência de um trabalho no European Ceramic World Center, na Holanda, onde já trabalhou o anglo-indiano Anish Kapoor.
Já Barrio não gosta de falar sobre trabalhos futuros. "Recentemente, apresentei um projeto e acabei mostrando uma obra final diferente. Os organizadores da mostra não gostaram", disse, referindo-se a uma coletiva na Funarte-RJ.
Apesar disso, adiantou que quer trabalhar seu espaço com sal grosso e lâmpadas de baixa voltagem.
"As pessoas vão andar sobre o sal espalhado no chão, na penumbra. Quero criar situações de equilíbrio e estranhamento. Vou usar a Bienal como um ateliê experimental, um espaço vivo", afirmou.
Outro que não pode falar em projetos com muita antecipação é o artista mineiro Eder Santos.
"Já mudei o meu projeto. Eu iria apresentar a instalação em vídeo 'O Lago e a Montanha', que foi vista na Holanda. Mas resolvi mostrar uma nova. O título não está definido. Deve se chamar 'A Casa dos Espelhos"', disse.
A parafernália necessária para seus malabarismos eletrônicos não custa pouco e certamente vai precisar de patrocínio. "O Lago e a Montanha", por exemplo, saiu por cerca de US$ 60 mil.

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